A agenda oculta da dívida

As administrações públicas, recorrem ao endividamento para complementar a arrecadação fiscal e as transferências entre administrações. Mas não sempre tem como finalidade principal a ampliação ou melhora dos serviços públicos fundamentais oferecidos à sociedade. Nos últimos catorze anos, a dívida pública da Junta da Galiza não parou de crescer, tanto em termos absolutos como per capita. Entre 2009 e 2015, o aumento acelerou-se devido às dificuldades de financiamento decorrentes da crise de 2008, cujos efeitos prolongaram-se por mais dum lustro. Em 2024, atingirá o montante recorde de 4.568,7 euros por cada galega e galego. Os últimos dados do Banco de Espanha mostram que as previsões do governo de Rueda sobre o volume da dívida para todo o 2023 foram superadas no segundo trimestre, situando-a em 12.333 milhões de euros, dos quais 77,5% correspondem a empréstimos e o restante a emissões de dívida. Cerca de 56% desses empréstimos representam um negócio lucrativo para a banca privada, pois o seu pagamento tem prioridade sobre qualquer despesa pública, conforme à reforma do artigo 135 da Constituição espanhola em 2011. Empréstimos privados O governo do PP destaca a contenção do déficit e minimiza o peso da dívida, mas não pode esconder que entre 2008 e 2022, essa dívida aumentou de 6,8% para 17% relativamente ao PIB galego. Orgulham-se de não ter recorrido aos Fundos de Liquidez Autonómica em termos vantajosos, incluindo períodos de carência, prazos de vencimento, taxas e liquidação de juros e de amortização e cancelamento sem penalidades. Desde 2012, preferiu empréstimos privados, solicitando apenas 9.562 milhões dos fundos públicos, o que representa apenas 2,14% do total de 445.947 milhões de euros que outras comunidades aproveitaram para cobrir necessidades de liquidez. Em 2024 a dívida pública atingirá o montante recorde de 4.568,7 euros por cada galega e galego. Após 2022, os gastos financeiros também experimentaram um forte aumento devido ao agravamento das condições de financiamento nos mercados, o que poderia ter sido evitado acolhendo-se ao financiamento público em condições preferenciais. De facto, entre 2014 e 2017 suportou-se um custo meio de endividamento superior à média das CCAA e a despesa financeira prevista no orçamento de 2024 aumenta 187 milhões de euros, cerca de 71,5% a mais do que em 2023. Além disso, a Junta deve enfrentar até 2040 o pagamento da dívida derivada da contratação em conceito de colaboração público-privada e concessão de obras públicas, no valor total de 1.906,3 milhões, que somados aos 12.333 resultam num total de 14.239,3 milhões de euros. Redução fiscal A Comissão Europeia alertou para o desaparecimento da "cláusula geral de salvaguarda" do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que significa o fim da suspensão das regras fiscais para 2024 e o retorno ao controle do déficit e à redução da dívida. Portanto, o programa de Estabilidade 2023-2026 enviado polo Governo do Estado à UE estabelece um déficit de 0% para as comunidades autónomas em 2024, reservando 3,2% para a administração central, apesar de que os principais serviços públicos são de competência autonómica. Em concordância, a Junta renúncia a incrementar a dívida em 2024 eliminando a receita correspondente, que em 2023 ascendera a 181 milhões. Além disso, a Junta projeta uma redução fiscal que afeta vários tributos, renunciando a arrecadar 685,7 milhões de euros, o que equivale a 5,8% das receitas correntes, beneficiando principalmente as rendas e patrimónios mais altos. E ainda por cima, destina 1.500 milhões para amortização e despesa financeira da dívida, mais de 10% do orçamento total consolidado para 2024, retirando esses recursos da melhora dos serviços públicos. Decisões políticas que, em conjunto, revelam uma verdadeira agenda oculta de austeridade que discrimina a maioria social, mais dependente da provisão pública de serviços. O endividamento continua a criar uma forte dependência relativamente ao capital financeiro, cuja estratégia consiste em instrumentalizar as políticas públicas em favor de interesses privados, comprometendo a suficiência financeira do setor público por meio de reduções fiscais. Para financiar as políticas que mitigam a precariedade social em tempos de crise e diante da falta de receitas públicas devido a essas rebaixas, recorre-se ao endividamento. No final, essas políticas sociais são cinicamente apontadas como responsáveis polo déficit gerado. Isso explica por que a teoria económica dominante concentra o seu foco em questões como o déficit público ou a inflação em vez do desemprego e da desigualdade. É, na verdade, um conflito de interesses de classe que posteriormente se reveste com aparência de debate teórico.