Milei, o histrionismo ao poder

Javier Milei é realmente um populista de direita? Um libertário, como ele se autoproclama? Ou revelara-se como um liberticida que busca comprometer a soberania de seu país e as liberdades individuais, prejudicando os direitos coletivos? A economia argentina A economia argentina conformou-se mediante a superposição de vários modelos de acumulação que foram deixando pegada no tecido produtivo do país. Até 1929 deu-se um modelo primário-exportador ao que seguiu um novo paradigma industrial caracterizado pola substituição de importações que se prolongou até 1976, e que entrou em crise pola falta de rendibilidade, a crise mundial e a conflitividade social, e tras o que se começaram a aplicar políticas de corte neoliberal durante a ditadura de Videla (1976-1983) e os sucessivos mandatos de Raúl Alfonsín (1983-1989) e Menem (1989-2001). As políticas de ajustamento incluíram planos de estabilização (convertibilidade), privatizações, desregulamentação de mercados, abertura financeira e comercial, além de reformas tributárias, laborais e na despesa pública, e a privatização do sistema de pensões. Essas medidas intensificaram a persistente dependência externa primário-exportadora, resultando em alto desemprego, precariedade laboral, escasso poder de negociação da classe trabalhadora, enfraquecimento do estado, deterioração de infraestruturas e oligopolização crescente dos mercados. Macroeconomicamente, destaca-se a convertibilidade peso-dólar com sobrevalorização cambial, um sistema financeiro instável e estrangeirizado, aumento das taxas de juro, crescente endividamento e défices fiscal e comercial persistentes, causando saída de divisas e pressão sobre a taxa de câmbio. Em resumo, um modelo de crescimento inconsistente e decrescente. Entre 1989 e 2021, as políticas de ajustamento do Fundo Monetário Internacional visavam aumentar a taxa de lucro, melhorando a rentabilidade do capital produtivo sem afetar o capital financeiro especulativo. O resultado foi um processo de financeirização, facilitando a apropriação do excedente econômico nos circuitos financeiros. Dessa forma, a instabilidade financeira surgia como uma resultante da crise, e não como sua origem. Em 2001, a recusa do FMI em liberar parte do crédito comprometido, combinada com fuga de capitais, desencadeou pânico bancário e ataques especulativos, resultando no 'corralito', suspensão de pagamentos, devaluação e depressão econômica. No ano seguinte, Eduardo Duhalde criticou a austeridade do FMI, implementando medidas como devaluação monetária, fim da convertibilidade, controle de divisas, resgate financeiro e aumento das retenções às exportações e políticas sociais para alterar a dinâmica econômica e recuperar o produtivismo, reduzindo a influência do capital financeiro. Apenas três das medidas anunciadas por Milei podem ser consideradas de colheita própria Deste modo, após a crise do sistema de convertibilidade peso-dólar, seguiram-se, desde 2001, uma série de políticas de emergência pós-convertibilidade que deslocam a dívida estatal como fator de atração de capitais estrangeiros, sem evitar o domínio do setor financeiro sobre a política econômica. Também não se transforma a estrutura econômica, nem se resolve a divisão da burguesia entre a fração agroindustrial exportadora e a beneficiada pela privatização dos serviços públicos, nem se modifica a dependência da importação de bens de capital e a inserção produtiva externa. A falsa novidade do programa de Milei Segundo Guillermo Oglietti, economista do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica, as 27 principais propostas econômicas do programa de Milei coincidem em 70% com os programas dos governos de Menem e Fernando de la Rua; em 68% com o da ditadura e em 63% com os de Macri. Afinal de contas, 90% das propostas de Milei têm pouco a ver com o maximalismo anarcocapitalista, reiterando políticas neoliberais que resultaram em um autêntico fracasso. De fato, apenas três das medidas anunciadas por Milei podem ser consideradas de colheita própria. A dolarização, que destruiria o peso e não resolveria a inflação e a baixa competitividade, elevaria o risco bancário e a dívida externa. Os vouchers ou cupões, que atentariam contra a igualdade de oportunidades no sistema educativo. E a eliminação da coparticipação, que afetaria a distribuição de recursos financeiros entre o governo central e os provinciais. O seu ascenso ao poder constitui mais uma advertência para reforçar a unidade popular contra as novas armadilhas do poderoso capital financeiro global, que visa rendibilizar eleitoralmente a desesperança social.