Bruno Carvalho, correspondente no Líbano

Crónica desde o Líbano: Beirute no centro da tempestade

Refugiados na marginal de Beirute e ambulâncias no lugar onde foi assassinado Hassan Nasrallah.
Depois da morte do líder do Hamas, o assassinato de Hassan Nasrallah é um sismo cujo impacto é ainda desconhecido. Perante a passividade do Ocidente e com bombas pagas por Washington, Israel estende a guerra a vários países do Médio Oriente e ameaça agora invadir o Sul do Líbano. Em poucas semanas, o número de mortos disparou e os refugiados libaneses já ultrapassam o milhão. À beira da guerra total, é o abismo ao virar da esquina.

Às 14.30 de sábado, uma mulher vestida de negro levantou as mãos ao céu e gritou. E, de repente, mulheres, homens e crianças saíram às janelas e às ruas. Havia quem não acreditasse. De telemóvel na mão, havia quem levasse as mãos à boca. A notícia da morte de Hassan Nasrallah chegou mais dolorosa do que as bombas que o assassinaram. Outra mulher caiu sobre o asfalto em desespero num pranto inconsolável. Ao lado, vários homens começaram a gritar em árabe numa voz que parecia querer despertar a revolta. Um choro colectivo, rasgou as entranhas de Beirute e espalhou-se por todo o Líbano como um rastilho de pólvora. Do Iémen ao Irão e da Palestina à Síria, passando pelo Iraque, o choque tomou conta de todos os apoiantes do líder do Hezbollah. 

Netanyahu deu luz verde e o inferno ganhou forma

Tudo começara no dia anterior. A partir da sede das Nações Unidas, Benjamin Netanyahu deu luz verde e o inferno ganhou forma quando a aviação israelita lançou várias bombas de muitas toneladas sobre um quarteirão do bairro de Dahiya.

Ouviu-se uma enorme explosão na capital de Beirute e, de seguida, uma enorme coluna de fumo pintou de cinzento o céu azul de Beirute. Pouco depois, ouvia-se nos megafones dos minaretes a chamada para a última reza do dia. Foi quando atravessámos a cidade rumo ao bastião do Hezbollah nos subúrbios a sul de Beirute. Dahiya não é um nome qualquer. 

Em 2006, a força aérea israelita arrasou o bairro de maioria xiita de tal forma que o uso da guerra assimétrica com meios desproporcionais contra a população civil como meio de dissuasão passou a chamar-se Doutrina Dahiya. Então, o general israelita Gadi Eizenkot afirmou que o que acontecera ocorreria em todas as povoações que disparassem contra Israel. “Usaremos uma força desproporcional e causaremos grandes danos e destruição. Desde o nosso ponto de vista, não são populações civis, são bases militares”.

No ataque contra Hassan Nasrallah morreram 300 pessoas e seis edifícios ficaram reduzidos a cinzas. No local, uma cratera de vários metros de profundidade mostra a potência das bombas lançadas para garantir que nenhum dos dirigentes do Hezbollah presentes na reunião secreta naquele subterrâneo sobrevivia.

O caos tomou conta do bairro

Com um enorme número de ambulâncias, socorristas, bulldozers, militantes do Hezbollah, civis e militares libaneses, o caos tomou conta do bairro. Havia pedaços de metal retorcidos por todo o lado e destroços de tudo o que a onda expansiva apanhou pela frente. A determinado momento, vários membros dos serviços de segurança da organização xiita decidiram mandar embora todos os jornalistas, incluindo dos meios próximos do Hezbollah. Era o sinal de que algo grave tinha acontecido. 

Num espaço curto de tempo, Israel conseguiu destruir praticamente toda a estrutura dirigente do movimento da resistência libanesa, evidentemente alvo de algum tipo de infiltração. O presidente iraniano já veio condenar o assassinato revelando que os Estados Unidos e a Europa lhe tinham prometido um cessar-fogo em Gaza e a retirada de algumas sanções se Teerão não respondesse à morte do líder do Hamas. “Mentiram”, acusou Pezeshkian.

Milhares de pessoas fugiram desesperadas

Nessa mesma noite, Israel avisou a população para abandonar alguns dos bairros no sul de Beirute. Milhares de pessoas fugiram desesperadas das suas casas apenas com a roupa que levavam no corpo. 

A juntar aos que fugiram do sul e do leste do país, o número de refugiados no Líbano subiu para um milhão de pessoas, algo nunca antes visto num território que já viveu várias guerras. Vários milhares de pessoas fugiram para a Síria e também o Iraque abriu a fronteira à população libanesa.

Em Beirute, há agora famílias a viver em casas tão sobrelotadas que há gente a viver em varandas, Rotundas, jardins, dentro de carros e até na praia.

Em Beirute, há agora famílias a viver em casas tão sobrelotadas que há gente a viver em varandas, rotundas, jardins, dentro de carros e até na praia. Com a ameaça de uma nova invasão terrestre, Israel pode piorar ainda mais a situação com uma vaga maior de deslocados. Na madrugada sábado, pouco depois do assassinato de Nasrallah, uma turba de homens enraivecidos rebentou os portões de um prédio desabitado no centro da capital libanesa. Entre gritos e muita tensão, introduziram várias famílias de refugiados no edifício. A população mais pobre do Líbano, depois dos refugiados palestinianos, é a comunidade xiita. A irrupção do Hezbollah com uma rede de apoio social com hospitais e escolas fez crescer a influência e o prestígio do movimento.

Beirute, enfrenta uma situação insustentável

Com 500 mil refugiados palestinianos e 1,5 milhões de sírios, dos quais uma parte está a regressar ao seu país, o Líbano, sobretudo Beirute, enfrenta uma situação cada vez mais insustentável. Depois da grave crise económica e da explosão no porto da cidade em 2020, as diferenças formações políticas foram incapazes, em dois anos, de eleger um novo presidente do país.

O grande desafio é saber se o movimento xiita está em condições de fazer agora aquilo que conseguiu em 2006.

Sem chefe de Estado e profundamente dividido entre as suas facções religiosas, a resistência a Israel pode vir a conseguir unir o povo em torno da sua soberania nacional. Foi nesses termos que o exército libanês pediu a unidade do país. Mas quem conhece o Líbano sabe que a única força capaz de enfrentar Israel é o Hezbollah. O grande desafio é saber se o movimento xiita está em condições de fazer agora aquilo que conseguiu em 2006. 

Não precisam de leis

Sem freio, o número de mortes provocado pelas forças israelitas sobe a cada dia que passa. Este domingo, Telavive bombardeou simultaneamente o Líbano, a Palestina, a Síria e o Iémen. O direito internacional é, a cada dia que passa, um cadáver insepulto. Como no cinema de Hollywood, os cowboys não precisam de leis. O pistoleiro Netanyahu avança protegido pela cavalaria norte-americana e os dirigentes ocidentais assistem impassíveis à carnificina sobre os novos índios.

Será Hashem Safieddine o novo líder do Hezbollah?

Durante a madrugada de segunda-feira, Israel assassinou o líder do Hamas no Líbano, Fatah Abu Alamin, com a sua família num campo de refugiados em Tiro. Três dirigentes da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) foram também assassinados na mesma noite num ataque no centro de Beirute, algo que não acontecia desde 1982.

O novo secretário-geral de Hezbollah

Entretanto, a imprensa árabe está a dar Hashem Safieddine como tendo sido eleito novo secretário-geral do Hezbollah. Tem 60 anos, é primo de Hassan Nasrallah e estudou durante vários anos na principal escola religiosa de Dom, no Irão. 

O seu filho é casado com a filha do antigo comandante iraniano da Força Quds do corpo de Guardas Revolucionários, Qassem Soleimani, assassinado por um ataque dos Estados Unidos em 2022. Safieddin controlou as finanças do Hezbollah durante cerca de três décadas.

Há 32 anos, Hassan Nasrallah substituia Abbas al-Musawi, secretário-geral da organização xiita assassinado da mesma forma. Helicópteros Apache de Israel dispararam mísseis que acabaram por matar aquele que foi um dos fundadores do Hezbollah.