PESSOA CHAVE NA INDEPENDêNCIA DA GUINé BISSAU

Falece Cármen Pereira, a primeira presidenta na história da África

Amílcar Cabral com Cármen Pereira

Cármen Pereira tornou-se o símbolo feminino da luta pela libertação da Guiné e da África. Foi a primeira mulher a ocupar a presidência de um país africano e a única presidenta da história da Guiné-Bissau. Faleceu no passado dia 4.

Cármen Pereira foi uma das mulheres mais dinâmicas do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde ). Participou na luta armada (“Temos que ir à frente para mostrar aos homens que nós também somos capazes!” ). Desempenhou vários cargos políticos durante e após a luta armada. Fez parte da primeira mesa da Assembleia Nacional Popular (ANP), na sessão em que Nino Vieira leu a proclamação da independência, a 24 de Setembro de 1973. Cármen Pereira era a única pessoa viva das que fizeram parte daquela mesa.

Entre outros cargos políticos, foi presidenta da ANP, isto é, foi segunda figura do Estado, na qualidade da qual chegou a ser Presidenta da República, em 1984, substituindo durante alguns dias o chefe de Estado, Nino Vieira, o que lhe valeu o título de primeira mulher na presidência de um país de África e a única na história guineense.

Em entrevistas para a Deutsche Welle África e para Público conta como deixou seus filhos na capital do país vizinho para acompanhar mulheres guineenses das tabancas para uma formação de um ano em Kiev, na antiga União Soviética ou como era o alvo principal do general Spínola.

Cármen Pereira participou na luta armada (“Temos que ir à frente para mostrar aos homens que nós também somos capazes!” ).

”Nesta altura, a então União Soviética ofereceu bolsas para 30 raparigas para a formação de enfermeiras, mas não havia ninguém para levar estas raparigas. Sozinhas não poderiam ir porque muitas não percebiam nem o crioulo. Não sabiam ler. Saíram da tabanca. Em uma conversa com um grupo de pessoas, eu comentei que se não fossem os meus filhos, eu mesma levava estas meninas. Nesta mesma tarde, alguém veio até mim, pedindo para que eu as acompanhasse para a União Soviética. Eu relutei. Camarada Cabral perguntou-me então: “Quem tu amas mais: a pátria ou teus filhos? Onde é que está o teu amor?” Eu respondi: “a minha pátria”. E ele: “então, tens que embarcar amanhã de manhã.” Acredita? Eu tive que embarcar para levar estas raparigas à União Soviética para o curso de um ano”.

“A maior preocupação dele (de Spínola, governador militar da Guiné) era apanhar Nino Vieira e Carmen Pereira. Nino Vieira era quem dava as ordens militares, mas mais importante era eu, como comissária política." Mais importante, nota, "porque a política chega mais longe que uma bala". "Num ano, fizeram cinco desembarques para me apanharem." E não conseguiram. 

Condolências

Cármen Pereira esteve no sábado no Palácio do Governo, lado a lado com o executivo demitido a 12 de Maio, de maioria PAIGC, que ocupou as instalações como forma de protesto. A dirigente histórica dirigiu-se depois a casa, onde faleceu na sequência de uma indisposição súbita.

A Presidência da República emitiu um breve comunicado em que salienta e entrega de Cármen Pereira à causa libertadora: “Camarada Cármen Pereira é um nome indissociável da nossa estoica epopeia libertadora, figurando entre os vultos maiores da nossa história. A sua abnegação, dimensão humana e carisma, expressavam-se pela entrega total à causa do nosso povo - característica que, aliás, motivou a sua adesão à gesta libertadora, trocando o aconchego do conforto do seu lar e da sua posição social em Bissau pela linha da frente na luta armada de libertação nacional”.

“Quem tu amas mais: a pátria ou teus filhos? Onde é que está o teu amor?” Eu respondi: “a minha pátria”

Também o MPLA angolano, numa nota de condolências endereçada à direção do PAIGC, ressaltou que aquela nacionalista dedicou toda a sua vida em defesa dos ideais da liberdade, da independência, da democracia e do progresso social da Guiné-Bissau, até a data da sua morte, a 4 de Junho de 2016. “O seu desaparecimento físico constitui uma perda irreparável e deixa um enorme vazio no seio dos combatentes da liberdade e da sociedade guineense", exprime a nota.

Por sua parte, o representante das Nações Unidas na Guiné-Bissau pediu aos líderes políticos e forças de segurança para "manterem a calma" perante a crise política que vive o país (na prática com dois governos) e a morte da veterana da luta pela independência.

"Neste momento de dor, onde as emoções estão à flor da pele, exortamos o povo da Guiné-Bissau, líderes políticos e forças de segurança a manterem a calma e dignidade", referiu em comunicado ao tempo que endereçou "as mais profundas condolências" à família de Cármen Pereira e ao país.

O funeral dividiu os dois governos da Guiné-Bissau, um empossado na última semana pelo Presidente da República, José Mário Vaz, e outro, o executivo cessante, com o qual se reuniu Cármen Pereira no mesmo dia da sua morte,  e que não reconhece a nova equipa. Mesmo nas cerimónias fúnebres se manifestou essa divisão ao anunciar a família de Cármen Pereira e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) que os actos funerários que decorreram em Bissau foram organizadas pelo governo demitido a 12 de maio (vários dos seus membros continuam a ocupar de forma pacífica o Palácio do Governo, na capital, com forças de segurança a impedir entradas e passagem de mantimentos desde domingo).