Fraude na saúde, sequestro na economia

A Polícia Federal alcançou Jair Bolsonaro em uma visita domiciliar surpresa na manhã do último dia 3. Seguindo o clichê, assim como Al Capone caiu por delito de evasão fiscal, a primeira acusação formal contra o ex-presidente é uma "inocente" suspeita de adulteração no cartão de vacinação. Porque Bolsonaro não foi imunizado contra a Covid-19, segundo afirma, mas precisava do certificado de vacinação para viabilizar viagens internacionais. Obteve esse documento, e o rastro digital comprova a fraude no sistema de saúde nacional. Não há nada de inocente nisso, é claro. Neste caso, o Código Penal acusa: uso de documento falso, inserção de dados falsos em sistemas de informação, infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa e, no caso da filha de 12 anos, que também não foi vacinada, Bolsonaro também teria incorrido em corrupção de menores. (Em um aparte anedótico, que remete aos supostos planos de assassinato contra o ex-juiz Sérgio Moro, o e-mail registrado no cadastro de uma das falsificações de vacina do ex-presidente era lula@gmail.com. No caso de Moro, um dos suspeitos tinha uma conta "lulalivre1063" na plataforma. –Eu vejo muitos desenhos infantis, tenho filha pequena, e reconheço bem esses métodos–). Na mesma quarta-feira, seis assessores próximos a Bolsonaro não tiveram a sua sorte e, em vez de apenas entregar passaporte, aparelhos eletrônicos e responder questionamentos, já estão sob custódia pela adulteração dos dados de saúde. Enquanto isso, o ex-presidente telefona a aliados e apoiadores para reuni-los em Brasília na maior brevidade –parece que a Cimeira Mundial das Direitas, que seria realizada em Portugal com a presença dele, acabou sofrendo um pequeno adiamento–. Todos os presos silenciaram nas oitivas, mas seus celulares vêm denunciando outros crimes. Áudio recebidos em dezembro passado pelo Ajudante de Ordens Mauro Cid, detido na operação, trazem tratativas explícitas para um golpe de Estado e a prisão do juiz Alexandre de Moraes. Cid era o assessor que atendia o celular de Bolsonaro, além de pagar suas contas em dinheiro vivo na agência bancária. Os crimes piores O atentado ao sistema de saúde é gravíssimo, a tentativa de golpe também. Mas a gestão Bolsonaro cometeu outros crimes, perfeitamente legalizados, com efeitos imediatos muito mais daninhos. Cada vez mais grandes lojas que atraem trânsito de pessoas estão fechando as portas, as pequenas também Vivo em São Paulo, capital econômica do Brasil. Um passeio pelo centro da cidade não tem sido uma experiência agradável. Em 2010, havia 33.000 imóveis ociosos na região. O último governo não realizou o censo nacional em 2020, mas tudo indica que esse número só tenha aumentado. Cada vez mais grandes lojas que atraem trânsito de pessoas estão fechando as portas. As pequenas também. Como a natureza odeia o vácuo, esses espaços nas ruas vão sendo rapidamente ocupados por outros moradores e outros negócios menos alterosos. O que vai sobrar, no final, não sabemos. E, no entanto, nosso Banco Central Independente acaba de anunciar a manutenção da mais alta taxa de juros reais do mundo: 8%. A título de comparação, Portugal e Espanha apresentam hoje cerca de 4,3% negativos.Até o início de 2021, tínhamos uma taxa de juros nominal de 2%. O advento da autonomia do Banco Central, presidido por um financista, marcou o início da alta e, no final daquele ano, já chegávamos a 13% nominais –hoje, 13,75%–. "Ninguém consegue tomar dinheiro emprestado a 13,75%", voltou a repetir Lula no ato do 1º de maio. Ainda assim, pela autonomia legal, o presidente do BC Roberto Campos Neto (aquele que participava do grupo de Whatsapp "Ministros de Bolsonaro") só vai sair em 2025. Empresas que tomaram crédito a juros menores hoje sofrem para pagar seus compromissos e não investem, levando a demissões e desaceleração da economia. O número de pedidos de recuperação judicial no Brasil é o maior em cinco anos. Quem tem poupança ou investimentos recebe o pagamento dos juros, mitigando seus efeitos, mas os devedores, que precisam de crédito para consumir ou financiar bens primordiais, amargam o pior dos juros altos. Trata-se do melhor mecanismo de transferência de poder de compra dos mais pobres para os mais ricos. Esse embate continuará porque o governo não tem como atingir seus objetivos sem a vitória. Fiel à sua fama de agregador –ou cooptador, segundo as más línguas–, Lula reinstalou o chamado Conselhão em 4/5. O órgão, composto por 242 influencers, empresários e ativistas, deverá assessorar o governo na criação de políticas públicas. É bastante gente engajada para fazer barulho. Precisamos.