A governação do bolo em Portugal

No final do próximo mês de Setembro celebram-se 18 meses sobre a tomada de posse do atual governo de maioria absoluta do Partido Socialista (PS), liderado por António Costa, en Portugal. Agitando o fantasma da extrema-direita, Costa conseguiu impor uma pesada derrota às esquerdas nacionais e confirmar a superioridade da sua estratégia. O 'abraço de urso', que muitos antecipavam em 2015 –no pós-troika– aconteceu mesmo sete anos depois. A verdade é que o eleitor comum que no dia 30 de Janeiro de 2022 se dirigiu às urnas, não antecipava o panorama económico-político que se seguiria daí para a frente. De então para cá, como em todos os países afetados pela guerra, a inflação tornou-se galopante (tendo atingindo um máximo de 10,6% em Outubro de 2022) e a pressão política para ajudar o país invadido tornou-se inevitável. No meio deste clima, o PS –mais ambivalente que nunca– conseguiu apesar disso jogar o jogo da direita melhor que ela, reclamando-se ao mesmo tempo o único ator capaz de prosseguir as políticas de esquerda altamente populares do tempo da geringonça (2015-2019), face à 'irresponsabilidade' da Esquerda. O senhor do bolo Assim, não é de surpreender que, enquanto a economia apresentava uma taxa de desemprego próxima dos 6,1% (Maio de 2023); uma dívida pública de 111,2% do PIB –inferior à espanhola– e o "maior crescimento económico desde 1987" –6.7% em 2022–este governo tenha tirado da cartola o pacote +Habitação– que levou o PSD a acusar o governo de ser o "governo mais comunista desde a Revolução de Abril" ou uma Agenda do Trabalho Digno que teve, entre outros, o mérito de extinguir os estágios não remunerados ou fixar a obrigação de declarar à Segurança Social o trabalho doméstico. Este panorama tem gerado naturalmente à esquerda e à direita uma grande incapacidade de comandar o debate. A direita, por um lado, acusa o governo de estarmos a viver numa "ditadura socialista", a esquerda, por outro, diz sempre que as medidas tomadas nas áreas da habitação ou do trabalho são insuficientes e que não rompem com o paradigma neoliberal que tem conduzido o país nas últimas décadas. Em Portugal, muitos provavelmente se lembrarão do sketch do então ainda jovem humorista Bruno Nogueira no 13º aniversário da SIC, em que no final este diz que tem de se ir embora porque 'vem aí o Senhor do Bolo', esse Senhor era nada menos que o antigo primeiro-ministro e o ainda presidente do grupo Impresa, Francisco Pinto Balsemão. António Costa pode não ser tão bom a partir bolos de aniversário, mas a sua governação tem sido sem dúvida a "governação do bolo": ou seja, o Partido Socialista consegue comer o bolo e ainda assim ficar com ele. A direita aumentou a sua tendência de fragmentação ao mesmo tempo que experimentava um discurso de radicalização Face a tudo isto, a direita aumentou a sua tendência de fragmentação ao mesmo tempo que experimentava um discurso de radicalização. E se o apelo às guerras culturais e ao ódio étnico tem tido a sua eficácia um pouco por toda a Europa, tem sido sobretudo a ênfase no carácter 'parasitista' e corrupto do Estado e o ataque à sua dimensão redistributiva, que têm trazido mais dividendos à direita que diz que não é 'fofinha' –um eufemismo para justificar todo o tipo de violências em relação ao contrato social vigente–. Gestão pública Embora a estratégia de assinalar o carácter 'corrupto' do Estado através de uma miríade de casos de má gestão pública não tenha tido outro efeito que não seja a renovação dos ministros e secretários de estado (13 desde o início), a verdade é que a estratégia de ataque ao Estado Social tem sido cada vez mais bem sucedida. E a verdade é que se há uns anos poucas pessoas saberiam dizer o que era a "carga fiscal", hoje até o mais inexperiente dos trabalhadores se indigna com uma 'das maiores cargas fiscais da Europa', embora não esteja consciente que provavelmente não paga impostos… Com efeito, a nova direita ultra-liberal conseguiu colocar como uma fatalidade a necessidade de baixar impostos. Da direita à esquerda, o consenso é de tal ordem que até o Partido Comunista Português (PCP) apresentou o seu próprio projeto de lei nesse sentido. O país entrou entretanto na silly-season e respira-se, à boleia do calor estival e do bom tempo, um ambiente descontraído em que se anunciam poucas decisões e se torna difícil lançar debates mobilizadores. Mas 'ainda a procissão vai no adro', e o aumento das taxas de juro pelo BCE e a persistência da inflação podem aumentar a pressão popular sobre o governo, tornando tudo mais difícil para a governação. Então, a altura há de chegar em que o PS terá de decidir se come o bolo ou se fica com ele.