Patriotismo, para que te quero?

Ao longo das últimas semanas assistimos ao fervor do sentimento nacional português com a participação da seleção no Campeonato Europeu de Futebol da UEFA. Há poucos fenómenos que unam mais a população portuguesa como um jogo destes. De norte a sul, nas ilhas e nas comunidades emigrantes há um sentimento de identidade que desperta e é transversal às diferentes classes sociais, idades e ideologias políticas. Em cada esquina há um ecrã gigante a projetar o jogo, e em cada rosto há um patriota orgulhoso da sua valente nação. O país para para ver os heróis do mar correrem como uma matilha para garantir que a bola entra, certeira, na baliza do adversário. Para lá desta euforia, por onde anda o patriotismo português? Somos Cristiano Ronaldo? Num evento com a comunidade emigrante portuguesa, há uns meses, em Toronto, o Presidente da República fez um discurso de exaltação da identidade nacional dizendo “… nós somos fado, somos bacalhau, somos caldo verde, somos cozido à portuguesa, somos o vira e o corridinho e o fandango. Somos tudo isto, temos uma alma. Somos Cristiano Ronaldo”. Marcelo Rebelo de Sousa selecionou uma série de manifestações culturais como símbolos identitários do país e concluiu com uma referência ao melhor jogador português de todos os tempos. O fascínio que existe em Portugal em relação a Ronaldo sai das quatro linhas do campo de futebol e entra num domínio de endeusamento cego. O facto de ter decidido acabar a sua carreira num campeonato de futebol de um regime tirano como a Arábia Saudita, contribuindo para branquear a sua crueldade, ou os casos de fuga ao fisco em Espanha não levantam grandes críticas no país. O aeroporto da Madeira foi renomeado, em 2017, para ter o nome de Cristiano Ronaldo, num evento onde estiveram presentes as figuras mais importantes do Estado. São inegáveis as suas qualidades enquanto jogador, mas a sua utilização como grande símbolo nacional diz muito sobre a imagem coletiva do país. Portugal parece resolver o seu complexo de país pequeno e com caraterísticas periféricas dentro do panorama europeu quando vê a seleção vencer um país estrangeiro, ou Cristiano Ronaldo ser considerado o melhor do mundo. De facto, esta é uma necessidade que nos persegue há muito tempo: afirmar que “Portugal não é um país pequeno”. No entanto, o fim do império tornou a sustentação desta ideia mais difícil. Hiperidentidade O filósofo Eduardo Lourenço, no seu livro O labirinto da saudade, referiu que “Portugal tem uma hiperidentidade porque tem um défice de identidade real. Como tem um défice de identidade, compensa-a no plano imaginário”. ¬¬Segundo ele, o país não foi capaz de superar o fim do império provocado pela descolonização do pós-25 de abril de 1974 e, por isso, mantém viva a memória um tempo que acredita ser de grandeza e glória, deixando pouca margem a narrativas alternativas. O império real foi substituído por um império imaginado O império real foi substituído por um império imaginado. Curiosamente, a democracia não foi capaz de estruturar uma narrativa identitária alternativa à da ditadura do Estado Novo, que fez da expansão marítima o principal pilar da nação. Nesse tempo, as crianças aprendiam a geografia de um Portugal que ia do Minho a Timor, interiorizaram as ideias luso-tropicalistas de que o colonialismo português se baseava na mistura e não na dominação, e viam o país representado cartograficamente como sendo bem mais extenso do que a vizinha e inimiga Espanha. Ainda que longe desses tempos, as bravuras da expansão marítima portuguesa continuam a ser ressaltadas nas narrativas identitárias, nas práticas culturais, nos símbolos nacionais e na história oficial. Claro que a estreita relação entre identidade nacional e desporto não é um fenómeno exclusivamente português. É uma expressão do “nacionalismo banal”, como definiu o académico inglês Michael Billig, com força em muitos países na atualidade. Mas no caso português, o patriotismo agarra-se de forma exagerada ao mundo futebolístico por ser o que o projeta internacionalmente e o faz chegar aos quatro cantos do mundo com a etiqueta de “o melhor”. Noutros âmbitos, a pátria vai perdendo fôlego. Aceitámos a venda de empresas públicas estratégicas para os interesses do país a fundos estrangeiros, como os Correios, a EDP e a ANA. Aceitamos que a nossa habitação seja um negócio rentável para interesses imobiliários desterritorializados. Aceitamos dar borlas fiscais a pensionistas de países ricos e descontos aos impostos dos rendimentos dos estrangeiros. Mas, aqueles 90 minutos de orgulho nacional ninguém nos tira.