A política instagramável de Lula da Silva

Até pouco tempo, por não ter conta naquela rede, eu não conhecia o conceito de "instagramável". Refere-se à atratividade visual de um ambiente para despertar no cliente o interesse de tirar fotos e compartilhar a experiência. O conceito é também aplicável ao próprio usuário, já que o Instagram termina por afetar suas práticas sociais e lhe ajuda a formar uma representação de si mesmo com cores, objetos e posturas em padrões visuais homogêneos, construindo sua reputação online. Os 4 anos de Bolsonaro garantiram a seu sucessor um capital político invejável que não pode ser diluído na pressa de seguir as tendências. Ao retornar aos blocos de carnaval após a devida quarentena pandêmica, tudo me pareceu estranho. Explicaram-me que a profusão de sereias impecáveis e o predomínio dos tons de água sob o sol eram modas do Instagram. Além disso, para muitos, o objetivo de produzir fotografias não é conciliável com os aspectos mais constrangedores da boêmia, servindo como elemento de controle comportamental. Com um suspiro nostálgico, eu diria que o carnaval instagramável não cumpre seus fins, mas as fotos saem incríveis. Aliás, "sair bem na foto" é uma expressão brasileira usada quando alguém, independentemente dos fatos, consegue ter aprovação em suas ações. Mais que um filtro bonito O Presidente Lula vem se mostrando muito preocupado em sair bem na foto. Quer cumprir todas as expectativas, mesmo as que não eram dele. Além da ênfase aos aspectos mais fotogênicos da nossa nação "exótica, diversa e selvagem", o palco internacional é ideal para cumprir essa agenda instagramável e pouco concreta: querer mediar o conflito na Ucrânia, criar um órgão de governança ambiental, reformar o Conselho de Segurança da ONU... No Brasil, por outro lado, os problemas gerados pela amplitude da coalizão que o elegeu começam a se tornar incômodos. Dois ministros de Lula vêm sofrendo acusações de envolvimento com milícias e ocultação do patrimônio. O preço da gasolina subiu com a (necessária) volta dos impostos, há secas e enchentes agravadas pelo escasso investimento em prevenção dos últimos anos. Com o final da lua de mel eleitoral se aproximando, será preciso almejar a ser mais do que o "anti-bolsonaro", e será preciso fazer isso como Lula da Silva, não como um tema da moda sob um filtro bonito. Dentre todas as crises deflagradas durante o governo de Jair Bolsonaro, uma das mais perturbadoras foi a crise estética. Sua ascensão ao cargo mais alto do país rasgou uma fenda na representação do mundo em que vivíamos até então. A estética do "homem simples" A primeira entrevista coletiva como presidente eleito, ainda em 2018, foi feita na entrada da garagem de sua casa. Os microfones da imprensa foram apoiados em uma taboa de bodyboard azul e verde limão sobre algo semelhante a um suporte de samambaia com uma mesinha de vidro na base. Ali, já começamos a nos preparar para o pior. Neste ano, foi inaugurada a Bolsonaro Store, cujo slogan é "Nosso sonho segue mais vivo do que nunca". O empreendimento on-line oferece calendários com os "melhores momentos" do último governo (€10) e canecas (€12,50). A antiga primeira-dama Michelle Bolsonaro foi avistada em redes sociais promovendo blusas de viscolycra para uma marca obscura. Na última semana, tivemos notícia de uma tentativa de contrabando em 2021. Um conjunto de joias estimado em €3 milhões, encontrado na mochila de um assessor, foi oferecido a Michelle pelo governo saudita –casualmente– após a venda de uma refinaria da Petrobras a um fundo árabe pela metade do preço. Nunca foi declarado como presente oficial à nação, segue retido na aduana, Bolsonaro queria levar as joias para casa. São diamantes, mas poderiam ser galinhas. Alguns politólogos defendem que Bolsonaro tem êxito por incorporar a estética do "homem simples", refletindo a maioria da população brasileira: pobre, de baixa renda, com gostos adequados a um baixo padrão de escolaridade. Os analistas também têm lá sua estética –ou ética, que são a mesma coisa. A ausência de filtros não constrói um efeito de "homem simples" para pobres, e sim de uma pessoa real, passível de erros e acertos. Existem muitas estéticas: das lojas da periferia, dos museus, dos jornais evangélicos, do whatsapp dos avós, das igrejas barrocas. A do Instagram é a mais fácil. Tem filtros e enquadramentos padronizados, aponta todas as tendências que precisam ser seguidas, mas a substância perde qualquer interesse. Fui visitar minhas fotos de carnavais passados. Elas são feias, mas muito melhores.