Os quinze dias que abalaram Portugal

A confiança é uma componente fundamental da ligação entre as instituições e as comunidades que as representam e servem. Em Portugal, foram vários os episódios que, ao longo dos últimos quinze dias, puseram em causa a credibilidade de instituições e figuras vitais para o funcionamento da nossa democracia. O país está perplexo. Depois de uma semana a assistirmos a fugas de informação que nos levaram a crer que fomos governados por uma teia de corrupção, no dia 13 de novembro soubemos que o juiz de instrução deixou cair os crimes mais pesados que levaram à queda do Governo. As novas eleições já anunciadas não resolverão a crise em que mergulhamos e, muito menos, sararão as profundas feridas que estes dias deixaram na relação entre a população e os seus representantes. Há quem acredite num "golpe de Estado judicial", mas precisamos que a poeira assente para entendermos o que realmente se passa. Até lá, podemos avançar com algumas reflexões. Das buscas à dissolução Dia 7 de novembro despertamos com a notícia de buscas da polícia à residência oficial do primeiro-ministro (PM) e aos ministérios do Ambiente e Infraestruturas. O chefe de gabinete do PM António Costa, Vítor Escária, e o seu consultor e amigo, Lacerda Machado, haviam sido detidos. As detenções estavam relacionadas com uma investigação do Ministério Público sobre crimes de tráfico de influência e corrupção ligados à exploração de lítio e hidrogénio e à construção de um centro de dados da empresa Smart Campus em Sines. Deram-lhe o nome de Operação Influencer. Pouco depois soubemos que o PM estava a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça. António Costa demite-se no mesmo dia, deixando claro que desconhece "as práticas ou atos sobre os quais há suspeitas". Com a demissão cai um governo de maioria absoluta eleito há menos de dois anos. Enquanto o PM falava ao país, a polícia encontrava 75.800 euros em notas na sua residência oficial. Pertenciam a Vítor Escária, entretanto detido. Ao mesmo tempo, eram constituídos arguidos o ministro das Infraestruturas, os presidentes da Câmara de Sines e da Agência Portuguesa do Ambiente, e dirigentes da empresa Smart Campus. Face a estes acontecimentos, o Presidente da República reage passados dois dias, anunciando a dissolução do Parlamento e agendando novas eleições para 10 de março. Até lá, o Partido Socialista poderá escolher um novo líder e o Parlamento poderá aprovar o Orçamento do Estado, pois estará em funções até 15 de janeiro. A credibilidade das instituições No dia 13 de novembro o Tribunal de Instrução considerou não existirem provas suficientes para alguns dos crimes avançados pelo Ministério Público, e libertou todos os detidos. No entanto, a Operação Influencer continua, e para além de ter causado um terramoto político está a afetar a credibilidade de várias instituições. No dia 12 de novembro soubemos que o Ministério Público se havia enganado na transcrição de uma escuta da investigação. Numa conversa entre o amigo e consultor do PM, Lacerda Machado, e um dirigente da empresa Smart Campus, era mencionado António Costa Silva, ministro da Economia. A transcrição omitiu o "Silva", o que levou a confundir este com o PM António Costa. O Ministério Público admitiu o erro. Nesse mesmo dia surge outra dúvida. Há referência a uma alteração legislativa relacionada com o projeto da Smart Campus, introduzida pelo ministro das Infraestruturas, que teria sido redigida por pessoas ao serviço da empresa. Mas a alteração legislativa em causa nada tem que ver com o projeto. Outro erro do Ministério Público? Estão a degradar-se as instituições e os seus mecanismos de controlo e a extrema-direita aproveitará como ninguém este momento para atacar Também a imagem do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, foi afetada. Antes de se demitir, o PM tentou convencer o Presidente da República a nomear Mário Centeno chefe do Governo e assim evitar eleições antecipadas. Mário Centeno veio a público dizer ter sido convidado pelo Presidente da República e pelo PM, mas o Presidente desmentiu o convite. O governador saiu fragilizado. Como se tudo o resto já não fosse suficiente, temos assistido a constantes ataques e acusações entre o ainda PM e o Presidente da República. A relação entre estas importantes figuras do Estado, em degradação há meses, atingiu um ponto de tensão elevado. Desconhecemos todas as consequências penais e políticas dos eventos destas últimas semanas. Mas sabemos que as instituições e os seus mecanismos de controlo estão a degradar-se. Também sabemos que a extrema-direita aproveitará como ninguém este momento para atacar e tentar subverter a democracia portuguesa que em 2024 cumpre 50 anos.