O turismo urbano e a nova normalidade

Caminhar pelas ruas mais emblemáticas do Porto ou de Lisboa, no verão de 2020, era como percorrer cidades-fantasma. Os negócios encerrados e as portadas fechadas marcavam a paisagem. Já havia passado o período de maiores restrições à mobilidade devido à Covid-19, mas os centros históricos das duas cidades continuavam a parecer cenários pós-apocalípticos. "Nada vai ficar como antes", dizia-se. A crise pandémica havia exposto os perigos de ter as dinâmicas sociais e económicas de espaços urbanos fortemente dependentes do turismo. Passados três anos, as ruas do Porto e de Lisboa voltaram ao seu estado pré-pandémico: as filas para as atrações turísticas ocupam de novo as ruas; os negócios tradicionais continuam a ser substituídos por lojas que vendem tradições inventadas; e muitas das casas voltam à sua função de alojamento temporário. Tudo mudou para tudo continuar na mesma. Terá quem decide aprendido algo nos últimos três anos? As áreas centrais de Porto e Lisboa já perdiam população antes de se tornarem destinos turísticos de massas Renascer das cinzas O ano de 2019 foi um dos melhores de sempre para o setor turístico. De acordo com o INE, registaram-se 27 milhões de hóspedes em Portugal, 60% dos quais eram estrangeiros. O ano 2020, pandémico, foi desastroso para o setor em todo o mundo. Em 2021, o turismo começou a mostrar pequenos sinais de recuperação tendo, em 2022, alcançado praticamente os números de 2019. Em 2023, o número de hóspedes nos primeiros quatro meses é já 15% superior ao mesmo período de 2019, sendo que Lisboa e Porto absorvem, em conjunto, mais de um terço do total destes. Esta tendência também se verifica no número de passageiros desembarcados nos aeroportos durantes os primeiros três meses deste ano que, comparado com o mesmo período do último ano pré-covid, foi 15% superior em Lisboa e 13% no Porto. As notícias da morte do turismo de massas foram, portanto, manifestamente exageradas. O outro lado da moeda Seguindo uma tendência de outros destinos urbanos europeus, a atividade turística do Porto e de Lisboa é também concentrada no espaço. É nos centros históricos que se localiza grande parte da oferta e da procura turísticas. No Porto, o seu Centro Histórico, classificado como Património da Humanidade da Unesco desde 1996, é o epicentro de uma cidade turística fervilhante. Nesta cidade, entre 2009 e 2019, o número de hóspedes aumentou 109%, ultrapassando neste último ano os 2,2 milhões, isto num município onde residem 231 mil pessoas. Lisboa, com pouco mais de meio milhão de habitantes, registou em 2019 quase 6 milhões de hóspedes, o que representa um crescimento de 124% face a 2009. Nas freguesias centrais destas cidades, onde a oferta de alojamento turístico explodiu, a demografia definha consideravelmente. De acordo com o último Censos, o Porto perdeu 2,4% da sua população entre 2011 e 2021, e é na sua freguesia central onde esta queda é mais acentuada: 7,4%. Lisboa regista valores ainda mais alarmantes, já que as suas freguesias centrais registaram perdas de população entre 22% e 26%, sendo que o município perdeu 1,25% de habitantes neste mesmo período. É certo que as áreas centrais destas cidades já perdiam população antes de se tornarem destinos turísticos de massas, mas parece difícil não associar a grande pressão deste setor a uma acelerada perda de moradores, fruto, em grande medida, do acentuado aumento do preço da habitação. A importância das comunidades A pandemia mostrou a relevância das relações de proximidade. Sobretudo nas cidades, consumir perto de casa tornou-se mais habitual, a entreajuda da vizinhança aprofundou-se, e os espaços públicos passaram a ser os lugares de encontro social. A vida dos bairros parecia renascer para quem neles habita. Observar hoje o Porto e Lisboa faz-nos duvidar de que o poder político tenha aprendido algo com as transformações ocorridas nos últimos três anos. A pandemia não serviu nem de lição nem de oportunidade para pensar as cidades para quem nelas vive. A habitação em Lisboa e no Porto está cada vez mais fora do alcance de quem ali trabalha. Apesar da diminuição de residentes, as ruas do centro estão saturadas de visitantes. Continuar a seguir uma estratégia de laissez-faire em relação ao turismo acabará por sacrificar aquilo que torna as nossas cidades realmente interessantes: as suas comunidades e as identidades que as enriquecem.