Corpos em metamorfose

As crianças da minha escola andam a criar vermes da seda. Viram rebentar os ovos e caminhar as cagalhas pretas entre as folhas de moreira. Viram-nas crescer e virar pauzinhos esbrancujados. E viram fiar o casulo e viram nascer a borboleta passados uns dias. Observaram e estudaram. Porém, é a sua própria metamorfose aquela que quase nunca observam, anotam ou estudam. E isso faz da puberdade, da adolescência, uma etapa difícil e bem mais dura de levar do que devera. Mas para isso chegou a nós Puberdade em marcha, uma espécie de caderno de campo onde o campo não é outro que o nosso corpo. Para observarmos, anotarmos, pesquisar, conhecermo-nos melhor e, nesse processo, aceitar as mudanças e novidades que se aparecem. No nosso ser. É claro que esta é uma proposta dirigida a rapaziada pubescente, pensada para a acompanhar no processo de transformação. As autoras escolhem o formato de pergunta-resposta (que são os genitais?, que é a identidade de género?, onde está a beleza?), complementada com propostas às leitoras para observarem-se, dialogar entre elas e ou pesquisar em redes. Como o Bárbaras, de María Reimóndez ou o Desmontando o corpo, construíndo a ciencia, de Andrea Barreira, não se entende a exposição de conceitos associados aos corpos sem o convite à (auto)exploração. E não se entende a educação sexual sem a componente afetiva e a defesa da diversidade. As autoras introduzem nos textos referências explícitas aos direitos à intimidade, à liberdade sexual e reprodutiva, à identidade de género e a proteção efetiva das menores; para isso, lançam perguntas para a reflexão e oferecem conselhos, sem cair nunca no paternalismo, o grande perigo deste tipo de manuais. Divertiu-nos muito o recurso aos testes próprios de revistas adolescentes para desmentir mitos ou deconstruir ideias instaladas no imaginário cultural ou as instruções para certas práticas (sabes beijar?) que acabam em inúteis por desnecessárias. As ilustrações de Martina Trach, de traços expressionistas, incidem na ideia de diversidade (de corpos, de gostos, de belezas) sem fugirem do pormenor quando é necessário. Puberdade em marcha é um manual breve, rápido de ler, para levar na mochila e tirar dele ao detetarmos o primeiro grão, o galo emitido fora de tempo, a sensação húmida nas cuecas, a vontade de fechar a porta do quarto de um golpe. E não temer, assim, as metamorfoses.