Livros tartaruga

Há livros tartaruga, lentos no andar, calmos, e ao tempo, constantes e seguros de chegar à meta. Põem os seus ovos na praia, sabendo que o calor do verão, a humidade das marés, as cócegas das pulgas de areia, hão fazer que os versos piquem na casca das folhas e saltitem aos nossos olhos, que leem vidrados pola luz do sol. Há livros tartaruga que fogem das montras de novidades para se esconder nos andeis do fundo, bem metidinhos na concha, e só assomam se acarinhamos os lombos e lhes percorremos as linhas geométricas dos seus mapas. Há livros tartaruga que, quando se vem em confiança, emergem o pescoço, esticam bem a cabeça e nos oferecem as suas bocas dispostas a engolir uma azaleia (pode que não saibais: o alimento que preferem). Os días lebre, de Clara López, é um livro assim. Dei com ele na estante da livraria, trouxe para a casa, sentei a ler e invadiu-me a maravilha. Vou recensionar!, pensei. E vim que era um livro de 2017. Menos mal que deu com uma sinha crítica tartaruga, lenta no andar, calma, e ao tempo, constante e segura do que quer recomendar. Os días lebre recolhe quinze poemas, quiçá por isso ninguém me falara dele. A poesia é o género tartaruga em um mundo de narrativas lebre. Quinze poemas que trazem a nós imagens do quotidiano, do quotidiano de uma criança em idade escolar. O mundo visto desde esses olhos, vidrados pola rotina da escola. A autora fia os textos com o mesmo recurso: a personificação. Protagonizam o poema, os dias, as restas, os verbos difíceis, os medos, ainda que entremeias assomem o avô ou a avó, feitos papa-ventos ou batalhas. A sua habilidade é levar cada escolha (o dia como uma lebre, o sentimento que devemos sentar) ao detalhe, ao pormenor, a observação atenta de sinais e acenos e movimentos dos corpos. Consegue assim que as leitoras entremos no jogo com facilidade e que não nos percamos em um labirinto de metáforas e comparações. As leitoras ratinho botamos assim boca aos versos e, em pequenas dentadas, roemos neles, sem medo de que a tinta seja solimão que nos vire o sentido; pousamos cada palavra no paladar e deixamos derreter, como onça de chocolate, cheia de pausas e anacos. Gozamos da mistura de sabores, da doçura e do amargor e engolimos lentamente, tic e tac, alimento que há durar dias. Os días lebre é uma obra perfeita para introduzir as crianças na leitura de poesia, na sua escritura, com gralhas e sem elas, em azul ou em vermelho, com ritmo e sem rima. Calmas.