Promessas de avós

Conversava ainda há nada com a Eli Ríos e ela contou que lhe andava na cabeça a teima das velhas. De como as percebia infantilizadas e dependizadas nas narrativas e que tinha vontades de ler obras em que as velhas fossem velhas mas não parvas. E têm que vir as clássicas a nos oferecer aquilo polo que devecemos. O libro do verán / Tove Jansson (Ilust. da autora) / Tradução: Moisés Barcia / Sushi Books / 2018 / 156 páxs. / 15 euros Tove Jansson, autoridade em literatura infantil e juvenil, escreveu O libro do verán em 1972. O livro do verão poderia ser um romance ou poderia ser uma antologia de contos, pois como tal se constrói cada capítulo: o seu título, a sua estrutura, o seu conflito e o seu feche. O fio que enreda e tece todo:as protagonistas, Sophia e a sua avó sem nome e velhisíssima. Ambas habitam uma ilha meio selvagem do golfo da Finlândia com toda a natureza ao seu dispor para observar, gozar e reflexionar. Outro fio que enreda e tece. Sophia e a avó são duas filósofas. Já no primeiro capítulo a autora nos desvela a dinâmica de relações: o pai, de presente ausência em toda a obra, proíbe e limita, à menina e à velha. A nena e a velha, cúmplices, rebentam proibições e limites desafiando assim os nossos preconceitos etatistas. Sobem aonde não devem, arrastam os corpos por lugares impossíveis, saem à noite e ao frio e à chuva, invadem propriedades e mesmo passam medo. Porque o outro fio que enreda e tece a trama são os medos. Sophia têm medo da água profunda, de que o pai naufrague, de que o gato morra, de dormir ao relento. A avó oferece a palavra justa, o contrasinal necessário, ou simplesmente a companhia, para que esses medos se dissipem como nevoeiro na praia. Mas também a avó tem medo, de perder a memória, de sentir-se dependente, de cair, de que a ilha mude de mais, de morrer. E Sophia é uma meninha, e por vezes deteta, e muitas ignora e despercebe, mas sempre acompanha. Sophia e a avó são duas pessoas solitárias que agradecem a presença da outra. E como aves solitárias percorrem a ilha e aprendem a partilhar espaços sem se incomodar, uma a observar a cor irisada duma pena de ave, outra a choutar nos coídos à procura de crebas. Eis a outra personagem importante na obra: o território, que não a paisagem. A ilha que habitam faz parte das terras boreais, duras, exigentes com todos os elementos, animados ou não, que as habitam. Aprendemos a conhecê-las com o tempo lento, eterno, de crianças e velhas. Com calma. Como promessa de avó. Aprendemos a ficar um pouco mais. Dentro do livro e do verão.