Extraño cuello / Estraño coello / Estranho coelho

Nesta terceira e última peça da série, imos analisar como a ortografia oficialista, castelhanizante, acarreta um fortíssimo efeito de menorizaçom para o galego, efeito, este, de conseqüências devastadoras para a sobrevivência do nosso idioma. Para tal análise, é indispensável termos em conta o seguinte facto, evidente mas ainda institucionalmente escamoteado: quando se desconta a influência deturpadora do castelhano, há substancial coincidência entre o léxico e a gramática do galego e os do lusitano e do brasileiro. A menorizaçom ortográfica apresenta duas vertentes: a) impede a emancipaçom ontológica do gal.; b) empece a emancipaçom funcional do gal. Emancipaçom ontológica A ortografia da RAG(=ILG) surge, de facto, em condiçons de subalternidade pacificamente assumida (Antón Santamarina tem explicado que o objetivo da codificaçom oficialista é pedagógico: que os nenos, na escola, nom encontrem no gal. discrepáncias com o cast.), e, como vimos, tal subordinaçom também fica patente na única diferença substancial da ortografia oficialista a respeito da castelhana, a hipertrofia do x: dado que na conceçom castelhanista o gal. nom é propriamente externo ao cast., o gal. nom pode usar grafemas principais com valor fónico divergente daquele que tenhem em cast., polo que ao gal. ficam vedados o j e o ge/gi (com valor /ʃ/), ao mesmo tempo que, porém, ele si apresenta, por mecánica transposiçom a partir do cast., um gu (guerra, guitarra) carente de motivaçom interna. A ortografia oficialista surge, pois, da subalternidade, e ela também perpetua a subalternidade ontológica do gal. em relaçom ao cast., impossibilitando-lhe umha emancipadora confluência com as suas covariedades lusitano e brasileiro, de modo que o nosso idioma fica assim subsumido formal, simbólica, mental e facticamente na hispanofonia, redundante a respeito do cast. e segregado do português, indevidamente marcado como estrangeiro. Dous exemplos: só quando, em 1994, o X Congresso da Associaçom de Academias da Língua Espanhola resolveu deixar de tratar, na ordenaçom alfabética, o ch como letra, e passou a tratá-lo, por harmonizaçom internacional, como seqüência c+h, é que a RAG fijo o mesmo; no topónimo oficialista presente no logótipo do concelho arraiano de Tominho, governado polo BNG, surge amplificado o Ñ, emblema supremo da língua castelhana… talvez para se reforçar a fronteira luso-espanhola? Emancipaçom funcional A ortografia da RAG(=ILG) empece a emancipaçom funcional do gal. a respeito do cast. por duas vias: por um lado, ao impedir o efeito projetivo do reintegracionismo, ou seja, a possiblidade de difundirmos eficazmente os produtos realizados em gal. no seio da extensa comunidade lingüística galego-portuguesa, com o conseguinte prejuízo para a potenciaçom cultural e económica e o prestigiamento social do nosso idioma; por outro lado, e esta é a vertente mais lesiva da castelhanizaçom ortográfica, ao dificultar na prática o efeito injetivo do reintegracionismo, quer dizer, a receçom eficaz e usual por parte dos galegos de atos comunicativos (textos) luso-brasileiros, indispensável para a regeneraçom formal e a capacitaçom funcional do gal. Assim, embora o princípio codificador 4.º declarado na introduçom das Nomig da RAG reclame a disponibilizaçom em gal. de léxico culto e científico através da coordenaçom com o português, nos usos oficialistas (e nos deste jornal!) os neologismos habilitados de acordo com o luso-brasileiro som muito raros, e de longe predominam os decalcados do cast., como *alto o fogo, em vez de cesar-fogo, ou *o percorrido, em vez de percurso. (Também é preciso reconhecer que o rendimento da confluência neológica do gal. com o luso-br. se vê diminuído quando se usa a ortografia oficialista: célula albo [em vez de célula-alvo], oxixenio [em vez de oxigénio], xacida (arqueolóxica) [em vez de jazida]…). Quando furtamos ao galego a ortografia galego-portuguesa e lhe impomos a castelhana, tiramos ao nosso idioma todo o que ele tem Por conseguinte, condiçom indispensável para a sobrevivência social do gal. é, hoje, a assunçom da congenial ortografia galego-portuguesa, medida, esta, de base técnica e de essência política, e a sua omissom constitui umha das faces mais canalhas da política galega. Ecoando as palavras sentenciosas do Will Munny em Os Imperdoáveis, podemos dizer que, quando furtamos ao gal. a ortografia galego-portuguesa e lhe impomos a castelhana, tiramos ao nosso idioma todo o que ele tem (ex.: ve(i)o ‘eixo [do moinho]’), e todo o que ele poderia ter vindo a ter (por coordenaçom com o luso-br.: veio de excêntricos [= cast. árbol de levas]). Ao nosso galego saiu um bilhete de lotaria premiado (léxico genuíno e gramática comuns com o luso-brasileiro), de modo que os políticos terám de explicar por que é que se recusam a resgatar, através da retificaçom ortográfica, esse prémio emancipador!