A TORRE DE TREZENZONIO

Cousas do calendário

A torre de Trezenzonio pretende ser um lugar na rede para descobrir todas essas coisas da história da Galiza que não aparecem por parte nenhuma. Publicamos a seguir a súa primeira entrega.

 

Galiza é um território atlântico situado entre dous nos de comunicações marítimos: um arredor do estreito de Gibraltar e outro entre o canal da Mancha e o mar da Irlanda. Mas a nossa história está-se a escrever como se não fôramos mais que um extremo da Península, as conexões marítimas aparecem como um engadido às relações co resto da Península, cando aparecem.

O exemplo deste mês vai ser o nosso calendário.

O calendário oficial é conhecido como calendário gregoriano, que substitui o anterior calendário juliano, assim chamado por serem obra de Julio César. Na prática, o calendário anual que empregamos é uma modificação feita pelo emperador Octávio Augusto do calendário do seu tio. O calendário de César era bastante apanhado, os meses tinham 31 dias os ímpares e 30 os pares, agás Fevereiro que tinha 29. Cada catro anos fevereiro tinha 30 dias e o calendário era regular. Cando Augusto decidiu que o mês seguinte à Julio levaria o seu nome, também decidiu que não podia ter menos dias que o do seu tio e tirou-lhe outro a fevereiro; dando lugar á chapuza que temos agora.

Os câmbios de estações no calendário juliano, e no actual, vinham definidos por eventos astronômicos:

  • O dia mais longo do ano, 21 de Junho, São João, solstício de verão.
  • O dia mais curto, 21 ou 22 de dezembro, solstício de inverno.
  • Os dias em que dia e noite duram o mesmo na primavera, 20 de março, e no outono, 23 de setembro.

Por tanto ,estamos agora a cambiar duma estação a outra. É esta a percepção da maioria de galegos?

A percepção da maioria da gente na Galiza é que março não é parte da primavera por muito que se empenharem uns grandes almacenes, nem Setembro é parte do verão

Acho que não. A percepção da maioria da gente é que março não é parte da primavera por muito que se empenharem uns grandes almacenes, nem Setembro é parte do verão.

O calendário dos gaelicos, e do resto de populações célticas, isto é da Europa Atlântica, não divide as estações por eventos astronômicos senão por câmbios no clima e nas tarefas agrárias. As catro divisões são:

  • Imbolc , corresponde co 2 de Fevereiro, a festa da Candelária. Nesta data os animais voltavam aos pastos.
  • Beltane, o nosso 1 de Maio. O começo do verão, na Galiza ainda se conserva a festa dos maios.
  • Lunassa o 1 de Agosto. Era a festa dos lumes, que na Galiza passaram a outras datas, principalmente o São João.
  • Samhain o 1 de novembro o começo do inverno. A seguir vinha a matança dos animais que não se queriam alimentar durante o inverno, o nosso São Martinho.

Ainda se acham restos deste calendário nos refrães populares. Em Pontevedra é um dito comum ‘Depois da Peregrina o inverno encima’ . As festas da Peregrina começam o 9 de Agosto e duram até o 15 ou pouco mais; logo é o início do outono. O refrão não é tão exagerado como parece. ‘Ata cuarenta de maio não tires o saio’ implica que a expectativa era tirá-lo o primeiro de Maio, o começo do verão.

Este tipo de alusões aparecem por toda a Europa Atlântica. Por exemplo nos sonetos de Shakespeare, o mais famoso é o número 18 que começa:

Shall I compare thee to a summer's day?

Thou art more lovely and more temperate:

Rough winds do shake the darling buds of May,

And summer's lease hath all too short a date;

No primeiro verso, o autor, pergunta se pode comparar o seu amor cum dia de verão. No segundo que ela —ou el, há divisão de opiniões—, é mais amorosa e mais temperada. No terceiro que os duros ventos de Maio sacodem os brotos. E no último que o descanso do verão é de curta duração.

Por moitas voltas que se lhe dar, está claro que, para Shakespeare, Maio era parte do verão ou o poema não tem sentido nenhum. Resulta ainda mais interessante porque o poema é do século XVII, há cousa de catrocentos anos, logo o calendário céltico seguia vivo na Inglaterra daquela, muito depois de se converter num país de fala germânica.

Por último cómpre sinalar que não se trata duma questão que só interessa a historiadores e estudiosos do folclore. Calquer empregado duma tenda de roupa tem perfeitamente claro que as datas em que saem á venda as coleções da nova temporada são demasiado cedo para o nosso clima, tanto no verão como no inverno. E como consequência disto a temporada de rebaixas chega também demasiado cedo.

Em resumo: o calendário oficial que empregamos não é o nosso e está feito de costas as nossas necessidades.

Para quem queira ver mais há um artigo no sítio web Projecto Gaelaico sobre o calendário, dividido en dous capítulos: primeira parte e segunda parte.

Foto: Estatua de César Augusto no Museu Chiaramonti, Cidade do Vaticano [CC BY-SA 3.0]