A TORRE DE TREZENZÔNIO

Mitos e Lendas

Ilustración de When they severed (skeptic)

Terceira entrega da Torre de Trezenzônio. O pretexto deste artigo é um comentário ao artigo anterior de Henrique que vinha a dizer que todo isso de Breogàn eram lendas e que as lendas já se sabe que são um invento.


Trata-se duma ideia muito estendida —especialmente cando as lendas são as nossas—; e como um dos artigos desta série tinha que tratar disso parece bom momento para saca-lo.

A pergunta obrigada: que cousa são as lendas?

O primeiro que temos que entender é que estamos a falar de literatura oral e que as estórias tem que ser codificadas para se recordar facilmente.

  • Um mito seria uma estória que ocorre num tempo e lugar indeterminados ou tão antigos que não ha memória clara deles. Os personagens são deuses ou heróis. O tema pode ser a orige do mundo, da terra á que se refere o mito ou de alguma instituição humana incluídos povos, reinos etc.

  • Uma lenda seria uma estória que ocorre num tempo e lugar identificáveis, isto é, os acontecimentos tem uma data concreta e os lugares são conhecidos na sua maior parte. Os personagens são reis e rainhas, guerreiros e guerreiras, sacerdotes e sacerdotisas etc com nomes é apelidos. Os temas são guerras e conquistas, descobrimentos ou calquer outra cousa que podermos achar nos livros de história só que mais antigos que a documentação escrita.

Já que logo, uma lenda é um relato histórico que se transmitiu de maneira oral antes de chegar á escrita. Para facilitar essa transmissão a história tem que se simplificar. Por exemplo, os números passam a ser estereótipos: um rei tinha três filhos e já está. Os personagens secundários desaparecem, etc.

Uma lenda é um relato histórico que se transmitiu de maneira oral antes de chegar á escrita.

Há um livro, When They Severed Earth from Sky de Elizabeth Wayland Barber e Paul T. Barber, que analisa toda esta série de câmbios que sofre uma estória para recorda-la melhor. Por cada mecanismo que se analisa há um ou mais exemplos para que vexamos como se aplica. A primeira estória que se analisa no livro e a lenda da orige do Crater Lake. Este lago, no estado de Oregon, é uma antiga caldeira vulcânica que colapsou há perto de 8.000 anos. Na lenda não aparece a palavra vulcão por lado nenhum, é uma estória de um chefe do mundo de abaixo que quer raptar a uma princesa do mundo de arriba, mais os detalhes da lenda deixam bem claro que é uma erupção vulcânica o que se está a descrever. Logo a lenda há ter uns 8.000 anos, a maioria da gente não se decata de que a tradição oral pode chegar tão atrás.

Isto é cousa sabida pela maioria de arqueólogos, e cando se escavar calquer monumento pré-histórico, o normal é recolher toda a tradição oral da zona.

Lenda vem de ler

A maioria dos mitos e lendas não chegam até nós como estórias recolhidas oralmente por um investigador senão escritas por um recopilador da Antiguidade ou da Idade Média. Dá-se a paradoxa de que a mesma estória recolhida, por um investigador contemporâneo, da tradição oral tem mais credibilidade que se aparecesse num manuscrito da Idade Média.

Nos manuscritos medievais recopilam-se estórias de diferentes procedências nas que se misturam as três cousas, o que complica a sua análise. Por exemplo, a crônica galesa Brut i Tiwisogion está composta principalmente por lendas, mas contém uma parte histórica muito importante. Esta parte histórica, analisada por Flinders Petrie em Neglected British History, é uma versão alternativa das campanhas de César em Britania. Petrie demostra que não pode ser copiada dos escritos de Júlio César porque o autor galês sabe cousas que César ignora e vice-versa.

Flinders Petrie: Neglected British History pode-se consultar aqui.

A lenda de Breogán

Na lenda de Breogàn ademais dos textos que falam dela temos dous indícios arqueológicos que a corroboram.

Os próprios romanos atribuem a construção da torre a Hércules o que implica que a que levantaram eles não fora a primeira.

O primeiro é a torre mesma. O habitual e despachar a torre de Hércules com que é um faro de época romana e já está. Mas este faro está a sinalar o caminho aos barcos que vem do Norte. Só tem sentido fazer uma obra dessa magnitude se os barcos vinham da Bretanha ou das Ilhas. E que a construção actual seja de época romana não implica que não houver uma torre anterior, os próprios romanos atribuem a construção da torre a Hércules o que implica que a que levantaram eles não fora a primeira.

Outro indício que tem saído á luz nos últimos anos é o grupo arqueológico Vilavella-Atios, identificado no 2007 por um arqueólogo chamado Dirk Brandherm a partir do estudo das espadas da Idade de Bronze da Península e Baleares. Este grupo inclui a Irlanda, a Bretanha, o Sul-Oeste da Grande Bretanha e a Galiza-Norte de Portugal. As datas deste grupo vão do 2.200 ao 1.600 antes da nossa era, pois bem a data que dão os textos irlandeses para a chegada dos filhos de Mile é do 1.750 antes da Encarnação, encaixa bastante bem.

Logo, as lendas são uma fonte histórica, uma que precisa duma interpretação particular, mas histórica.