'As guerrillas galegas ao descuberto'

Paula Godinho, antropóloga e investigadora: "A repressão contra a povoação de Cambedo foi tremenda"

Paula Godinho. Foto: Nós Diario
Paula Godinho (Lisboa,1960) é antropóloga, investigadora no Instituto de História Contemporânea e professora associada com agregação no departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A quinta feira aproximasse no coleccionábel de Nós Diario  á “batalha de Cambedo” de 1946.

Por que ainda tanto silencio sobre a memória do Cambedo?

Porque a memória das ditaduras custa a passar. A ditadura portuguesa durou 48 anos, e a democracia, que emergiu com o golpe militar de 25 de Abril, a que seguiu uma revolução, tem 47 anos. A versão hegemónica nesse tempo longo foi a de que os guerrilheiros eram atracadores, bandidos, e os vizinhos da aldeia lhes tinham dado acolhimento. Foi importante a aposição da placa em 1996, que resgata o agradecimento cidadão pela atitude solidária dos vizinhos, que os conduziu a um sofrimento terrível, que destroçou vidas, que implicou a prisão de tanta gente.

Como explica o apoio da povoação portuguesa da Raia primeiro aos fugidos do franquismo e despois aos guerrilheiros galegos?

Várias são as possibilidades. Há uma história longa, que une, numa fronteira que foi menos clara até ao Tratado de Limites de 1864. Há sociabilidades continuadas, resultantes dos trabalhos e da convivialidade. Há também entre alguns a percepção do que une, contra os fascismos ibéricos, prolongando uma cultura de fronteira na recusa da dominação.

Que significaria do enfrentamento librado no Cambedo entre antifascistas galegos e portugueses e membros das forças de seguridade portuguesa o 21 de Dezembro de 1946?

Significou o momento final de um processo que se iniciara logo após o Alzamiento, em que a permeabilidade da fronteira e o acolhimento de quem fugia do terror franquista na Galiza tinham ocorrido em quase toda a raia.

Cal foi o alcance da repressão contra a povoação de Cambedo polo seu apoio ás atividades da guerrilha antifascista?

Foi tremenda, com dezenas de vizinhos detidos, trajetos de vida interrompidos, uma criança do Cambedo ferida, dois guerrilheiros mortos, um condenado a 19 anos de prisão, parte dos quais no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.

O próximo mês de dezembro cumprem-se 75 anos da ‘batalha do Cambedo”, que atos estão previsto para lembrar o acontecido?

Entre outros, haverá uma conferência internacional em Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, no dia 13 de Dezembro. Haverá uma homenagem aos vizinhos de Cambedo, em que participarão associações locais, de memória histórica e de resistentes aos fascismos ibéricos, de um e outro lado da fronteira, os dois Museus da Resistência portugueses (o do Aljube, municipal; o de Peniche, nacional), universidades portuguesas e galegas, centros de investigação, etc. O programa ainda está a ser delineado, mas a homenagem aos vizinhos de Cambedo terá lugar na tarde de dia 18 de Dezembro, sábado, na aldeia.