Eliane de Moura Martins

“As mulheres, no Brasil, vivemos numa falsa liberdade”

Eliane de Moura Martins (Panambi- Rio Grande do Sul, 1973) é militante do Projeto Popular para o Brasil e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participa este sábado nas jornadas organizadas por AGE-Europa “O feminismo, imprescindível para construir outra Europa”. Conversamos com ela arredor do feminismo no Brasil.

Eliane de Moura Martins (Panambi- Rio Grande do Sul, 1973) é militante do Projeto Popular para o Brasil e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participa este sábado nas jornadas organizadas por AGE-Europa “O feminismo, imprescindível para construir outra Europa”. Conversamos com ela arredor do feminismo no Brasil.

- “Concebendo e construindo o feminismo popular para fazer frente ao colonialismo, ao capitalismo depredador e a todas as formas de neomachismos” é o título da palestra que você apresenta. Como fazer frente ao colonialismo através do feminismo?

- Para nós, no Brasil, é ainda mais difícil por termos sido literalmente uma colônia. Nós temos esse problema do colonialismo nacional e temos que enfrentar toda uma cultura de inferioridade em que também está presente o racismo e que agrava profundamente as condições das mulheres negras e pobres. É um colonialismo que está presente em aspectos da nossa vida cultural, social e política... está inserida em tudo. Isto agrava muito mais as condições de gênero. É um tema que se tem que solucionar desde o ponto de vista de um mundo que vive em sociedade.

- E o capitalismo, como se pode combater desde o feminismo?

- O capitalismo é o coração de tudo o processo. A lógica do sistema do capital transformou as relações de mercado, as mercadorias... e mesmo as bandeiras do feminismo, que podem ser compradas. A sua influência sobre as mulheres se agravou nos últimos vinte e trinta anos. Agora as mulheres vivemos numa falsa liberdade, num falso acesso a um mundo de liberdade e autonomia. Temos uma dificuldade muito grande para trabalhar o feminismo, que é uma ferramenta e um esforço para demonstrar ao conjunto da sociedade que existe a desigualdade. O feminismo ajuda a ver e a mudar esse complexo sistema que nos leva a viver na alienação. Também é uma importante ferramenta de debate não só para a sensibilização, mas para o acesso ao poder político e ao espaço de decisão. Ao poder não lhe interessa que nós possamos ocupar esses espaços, mas temos que o lograr com uma perspectiva de socialismo e de transformação social.

- Quais são as formas de neomachismo que imperam na atualidade?

- O conceito neomachismo não se emprega no Brasil, mas me parece muito interessante. Se refere a esse falso cenário de autonomia que padecemos. Hoje as mulheres só ocupamos espaços de poder e de toma de decisões muito superficiais e que estão longe do que queremos. Eu acho que, por exemplo, os homens progressistas defendem a igualdade, mas essa igualdade não se vê nas suas práticas e no dia a dia. Também podemos nos referir a neomachismo quando falamos da falsa liberdade sexual. No Brasil essa falsa liberdade sexual vem a ser um negócio que representa o mercado. É algo enfocado mais ao mercado do que um aspeto da autonomia humana. Numa das praias mais conhecidas do Rio, Ipanema, existe um espaço para os gays e lesbianas, um espaço em que não existem os preconceitos, algo assim como um território livre de discriminação, mas fora desse espaço volta a intolerância.

- Com que ferramentas se pode lutar contra o machismo?

Todas as ferramentas são importantes. O nosso drama, no caso brasileiro, é que estamos longe dos meios de comunicação de massa. Na televisão assistimos a leituras discriminatórias, a uma linguagem machista... Há possivelmente alguns espaços nas redes sociais, mas esse espaço não é abarcado pela maioria da população. A escola poderia ser um lugar privilegiado, mas no Brasil é complicadíssimo. Vivemos num Brasil em que se proíbem as discussões de gênero na escola porque as discussões de gênero foram furtadas do plano nacional de educação porque os conservadores interpretam esse tema como propaganda da homossexualidade. E isto num plano com 10 anos de vigência. Terão que ser os professores por conta própria, e de maneira clandestina, aqueles que têm certo esse debate pela sua militância, os quais ajudem desde a escola. Essa nova lei também proíbe a discussão política nas escolas públicas. Existe, assim, um cerco político arredor dessas questões mais abertas da vida humana. Neste contexto, as famílias fazem o que podem e são as mulheres, através dos movimentos populares, as que conseguem criar as ferramentas. É um trabalho de formiguinhas.

- Como se pode difundir o feminismo?

Desde o ponto de vista individual, desde a internet, com as redes sociais, com leituras... Hoje é muito comum entre a juventude que muitas meninas virem feministas através das redes sociais e da literatura que conhecem na internet, mas eu sou temerosa ao respeito, porque é necessário que a gente construa a dimensão coletiva e social.

- Na luta pela igualdade, que responsabilidade tem as instituições?

A pergunta seria quais das instituições, porque as governamentais estão regidas pelos pressupostos da liberdade do mercado. Faz-se de tudo para que o mercado tenha garantido as suas liberdades. Isso sim, depois se lhe restam horas à filosofia nas aulas. Não interessa que as crianças discutam de filosofia, mas sim que entendam de matemáticas ou de marketing. Necessitamos as instituições para o ser humano e não para o mercado.