Socalcos: a paisagem construida

Hoje, acabadas as vendimas, vou cantar à terra socalcada. A luta do ser humano contra as pendentes. A epoeia que representa reter a terra em contra da gravidade, essa força que domina todo no universo desde o ponto de vista da física newtoniana. Os socalcos fazem parte da vida da Galiza, em especial em terras como as do Ribeiro. O país das vinhas mimadas até o extremo. Cuidada uva a uva, cacho a cacho, folha a folha como se fossem "senhoritas" (sic). Os socalcos lutam contra a força do Universo e conseguem voltar a seu favor as potencias da Terra. Galiza é terra de relevo montanhoso, a mais antiga da Península. As montanhas condicionam o clima, a paisagem e a fertilidade porque reservam as águas, cortam os ventos, fazem chover e abrigam os vales. Mas as montanhas meteorizadas deixam escoar a terra por suas abas até os fondais pola força da gravidade. Temos uma formosa paisagem cuja principal característica é estar humanizada desde os vales até os cumes dos montes. A pressão demográfica que caracterizou toda a nossa história fez que se cultivasse todo o terreno possível. Socalcos do Ribeiro Uma cultura altamente desenvolvida desde milénios que desenhou sofisticadas formas de aproveitamento para fornecer de alimento a uma população que historicamente sempre foi superior à meia da Peninsula. Ainda esta cultura deu para gerar excedentes que favoreceram um comercio extenso. Tal seria o caso da viticultura como a do Ribeiro que conseguia fornecer de vinho as classes ricas galegas e ainda era exportado a todo o mundo, nomeadamente Inglaterra, Paises Baixos, Flandres ou Alemanha, como testemunham diferentes fontes documentais que datam de tempos bem recuados. O desenho das linhas de socalcos coincidentes com as curvas de nível demonstravam um conhecimento depurado e afinado dos mestres canteiros Em 1386 o duque de Lencaster invade Galiza e suas tropas embebedam-se com vinho de Ribadavia. Durante toda a idade meia e na moderna as referencias a produção, exportação e comercialização do vinho do Ribeiro aparece em muitas crónicas. As ladeiras expostas aos sol e o clima Ribeirão favorecem esta cultura que construiu os famosos socalcos do Ribeiro. Esta prática comum a toda Galiza precisa uma técnica depurada e culta que se foi transmitindo de geração para geração. Em Adega fizeram-se estudos e obradoiros da construção de muros de pedra seca que necessita habilidades, técnica e cultura que hoje estão a desaparecer, mas que foi importantíssima no aproveitamento agrícola do nosso país e geradora riqueza. Nun documental (Galegos d'Ouro) coproduzido pola TVG e RTP apresenta-se a construção dos socalcos do Douro em que miles de galegos trabalharam desenvolvendo lá as técnicas da nossa cultura milenar para transformar a paisagem íngreme dos montes ribeirinhos do Douro em terras férteis e viçosas. O Douro Vinhateiro é uma construção da Galiza do Norte. Falam naquele documentário de muitos emigrantes trabalhando em condições miseráveis, descalços e apenas pelo sustento. Incide-se no mau tratamento dado aos galegos. Falta neste relato a justificação daquela migração maciça. Porque tantos e tantas galegas tiveram que emigrar e, naquelas condições de miséria? Arte esculpida A população galega experimentou um crescimento bruto de 718.000 pessoas entre o 1600 e o 1800. Um crescimento de 46% aproximadamente. Todos os dados apontam como causa ao uso generalizado do milho e a pataca. Mas os galegos iam lá em quadrilhas e grupos familiares comandados por um mestre canteiro que conhecia bem a pedra de xisto para bater nela até transforma-la em terra cultivável e muros. O desenho das linhas de socalcos coincidentes com as curvas de nível demonstravam um conhecimento depurado e afinado daqueles mestres canteiros. Assombra neste documentário a frivolidade dos catedráticos de Universidade ao analisar o fenómeno migratório. Só Ramom Villares gava a arte de esculpir uma montanha como fenómeno representativo duma cultura depurada e ancestral. Falta um relacionamento que explique como influiu sobre a riqueza da Galiza as guerras que Espanha tinha com parte de Europa: Inglaterra, Países Baixos, etc., e com Portugal, que soube aproveitar esta discórdia com tratados como o "Methuen". Portugal, que recuperara sua independência de Espanha, fez-se com o comercio dos panos e do vinho. Galiza saiu dobremente prejudicada, pois exportava panos de linho e vinho a Inglaterra. A explosão demográfica e os inquisidores procurando bíblias nos barcos europeus que ainda chegavam a Baiona a cargar vinhos do Ribeiro acabaram por fechar o comercio europeu e arruinar Galiza. Nada lhe devemos a Espanha senão a nossa ruína. Quanto mais sei da nossa história que eles se empenham em apagar, mais me convenço.