Macron ou como esmagar a esquerda

Confesso que há muito tempo que não gostava tanto de ler as novas políticas como nestes dias, vendo como Macron enganou toda a esquerda francesa, dos socialistas à extrema-esquerda de Melenchon, passando por verdes e esquerdas alternativas. Não que me deixe muito triste que forças tão centralistas e anti-nacionais, como a jacobina França Insubmissa tenham sido enganadas pelo maquiavélico presidente francês. Um presidente que, já agora, não se pode recandidatar, pelo que não poderão sancioná-lo nas próximas eleições, algo que deveriam ter previsto antes de gastarem o seu capital político desta forma. Vão protestar nas ruas, o que sabem fazer bem em França, mas continuam a não ter capacidade política para sobreviver na muito dura política francesa dos herdeiros de Richelieu e Fouché.

A manobra de Macron, do qual não sou partidario, é arriscada, mas muito hábil e, se funcionar, acabará com a esquerda e a extrema-direita ao mesmo tempo. Primeiro, apelou a uma grande frente republicana de todas as forças, desde a direita tradicional gaullista até à extrema-esquerda, incluindo a Bildu, para impedir que a força mais votada, o RN de Le Pen, obtivesse a maioria no parlamento. Desta forma, Macron conseguiu que muitos dos deputados do seu bloco político Renascemento fossem eleitos contra a força de extrema-direita cos votos da esquerda. A esquerda e a extrema-esquerda formaram uma frente popular que deu muitos deputados a Melenchon, mas sobretudo ao socialismo francês, anteriormente muito enfraquecido, neste caso apoiados pelas direitas. O objetivo foi alcançado e a esquerda propôs logicamente uma militante de esquerda, Lucie Castets, para o cargo de primeira-ministra, embora no seu lugar, depois de Macron negociar com a extrema-direita, tenha entrado um político da direita tradicional, Michel Barnier. Por outras palavras, a frente de esquerda trabalhou para que Macron nomeasse um direitista, que seguirá políticas próximas da extrema-direita.

Isto pode parecer incompreensível para aqueles que não estão habituados às manobras da Quinta República, uma vez que Mitterrand já fez algumas delas com os comunistas e conseguiu livrar-se deles. Se for bem-sucedido e conseguir colocar um socialista no governo, a esquerda voltará a entrar em conflito, o que seria a segunda vez num curto espaço de tempo, tornando mais difícil o seu futuro acesso ao Eliseu. Depois de ter apoiado Macron, ser atirada aos pés dos cavalos não parece dar propriamente uma boa imagem de capacidade política da esquerda francesa. Além disso, Macron sabe que eles voltariam a fazer o mesmo perante a ameaça da extrema-direita. Mas também poderia dividir aos de Le Pen, que acabariam por ser fagocitados pelo macronismo, perdendo a sua imagem de alternativa ao atual sistema e expulsando do partido os seus militantes menos colaboracionistas. Isto deixaria o seu partido centrista como a única alternativa a médio prazo.

Penso que a esquerda e o nacionalismo espanhóis devem tomar nota destas manobras, porque Espanha tem um presidente muito parecido com o francês, pelo menos na forma como trata a esquerda e o nacionalismo depois de o terem apoiado. E não é de excluir que, tal como lá, acabe por procurar apoio na direita, porque sabe que a esquerda aqui não pode deixar de o apoiar, mesmo que queira.