Otanistas preocupados

Aparentemente, as eleições americanas de novembro deveriam ser uma eleição convencional, caracterizada pelo facto de os dois principais candidatos terem já ocupado a presidência do país, algo inédito porque significa saber mais ou menos como se vão comportar no cargo. Por um lado, isso elimina grande parte da incerteza, porque já se sabe que com qualquer um deles o mundo não vai acabar, mas, paradoxalmente, deveria ser uma eleição calma, porque, precisamente por serem políticos com provas dadas, não deveria haver receio de grandes mudanças, nem uma grande ilusão de mudança entre a população. Mas o péssimo desempenho no debate presidencial da semana passada, com numerosos lapsos, despertou o terror dos otanistas, sobretudo os europeus, como pode constatar quem lê os meios de comunicação social deste género. A chamada para quebrar as práticas políticas americanas de seleção dos candidatos presidenciais e forçar a demissão do candidato Biden tem sido unânime nestes círculos, com editoriais duros e artigos de opinião ácidos dos seus líderes de opinião mais influentes, e com portadas mesmo nos seus meios de comunicação social mais reputados. 

Os otanistas não se assustam com a guerra na Ucrânia, que está a cumprir os seus objetivos de desgastar Rússia política e economicamente, fazendo com que o mundo perceba que ela não é uma superpotência. Depois do regalo que Putin lhes deu com a invasão, aumentaram o número de membros, alargaram a sua fronteira direta com a Rússia em várias centenas de quilómetros e, acima de tudo, aumentaram substancialmente as suas despesas militares, até agora baixas. Mesmo países como o nosso estão a ser forçados a aumentá-las, gostem ou não. O velho complexo militar-industrial dos países da NATO está a ganhar força e a aumentar os seus lucros devido ao medo, exagerado pelos seus altofalantes mediáticos, de uma suposta grande potência que, em três anos, não foi capaz de derrotar um dos países mais atrasados e pobres da Europa. Um dos mais acérrimos defensores da Aliança, o Presidente Macron, chegou mesmo a falar da possibilidade de guerra, certamente humilhado por ter sido obrigado a abandonar as suas neocolónias africanas. A direita extrema francesa parece ainda sensata, opondo-se radicalmente a essa possibilidade. A guerra em Gaza tampouco suscita medo entre os atlantistas apesar dos sérios problemas que Israel tem e seguirá a ter para derrotar Hamas, uma vez que não a consideram uma questão central na sua estratégia.

É Trump que eles temem. A unanimidade nos media prova-o, não há fissura alguma, e também a virulência dos ataques. Ver quem o critica quase dá-nos vontade de o apoiar, mesmo que seja apenas em reação. Trump irá provavelmente contribuir para acabar com a guerra na Ucrânia, privando-os dos seus pretextos para o rearmamento, e irá muito provavelmente reduzir as tensões com a China. Trump também não parece estar muito preocupado com o projeto europeu e é quase certo que reduzirá o seu compromisso com a NATO, quer forçando os europeus a suportar os seus custos, quer afastando-se dos seus problemas. Trump não parece ser uma pessoa muito simpática, mas sabe ler o impulso isolacionista da maioria do seu povo, que está farto de pagar as guerras em todo o mundo. E é isso que os neocons, aliados da causa NATOista, realmente temem.