Opinión

O vietname de Israel

Há cerca de vinte anos, foram publicados dois livros que, na altura, não suscitaram grande atenção fora dos círculos académicos, mas que, dada a evolução da guerra de Gaza, voltam a ser de grande interesse. O primeiro, não traduzido, How The Weak Win Wars, de Ivan Arreguin-Toft, especialista em relações internacionais, explica o fenómeno cada vez mais frequente de as partes aparentemente mais fracas ganharem as guerras, oferecendo várias explicações, nomeadamente a assimetria de custos entre os dois contendores, que leva a que a parte mais forte tenha de assumir custos desproporcionados, e o empenho vital de cada parte na guerra, em que a que tem mais em jogo, normalmente a mais pequena, acaba por derrotar a maior. Nem sempre, obviamente, mas com uma frequência crescente. O segundo é de um historiador militar israelita, Martin van Creveld, traduzido para a nossa língua como Ascensão e Declínio do Estado, em que explica como os Estados modernos foram concebidos para combater outros Estados, mas são muito ineficientes quando se trata de combater outro tipo de organizações, sejam elas guerrilhas, redes terroristas, piratas ou organizações criminosas como os traficantes de droga ou de seres humanos. A sua dimensão e o seu modo de atuação não são os mais adequados, uma vez que um tanque ou um avião militar são de pouca utilidade contra uma célula jihadista que atua no seu próprio território. Não só é um desperdício de recursos materiais, como também é inútil para derrotar o inimigo. A tese de Van Creveld é que, uma vez que os Estados foram originalmente concebidos para a guerra, não terão outra opção senão mudar a sua forma, descentralizando ou reduzindo o seu tamanho, para se tornarem mais operacionais.  

Algo de semelhante se passa em Gaza, onde um dos exércitos mais modernos e mais bem equipados do mundo destrói sem piedade milhares de vidas inocentes e infra-estruturas num território muito pequeno e contíguo há quase um ano, após os cruéis ataques de outubro do ano passado, sem fazer qualquer progresso no sentido de pôr fim à guerra. O seu inimigo são alguns milhares de combatentes, armados com armas ligeiras e muito baratas, que, combatendo de forma muito descentralizada, são capazes não só de impedir a vitória definitiva do Tsahal, mas também de desestabilizar o poder hebraico interna e externamente. Nestas condições, não se pode falar de vitória, e suspeito que não a haverá no futuro. O próprio Van Creveld, que não é pró-palestiniano, mas é muito rigoroso nas suas análises, já tinha alertado para este facto após o início da ofensiva. 

A recente ofensiva na Cisjordânia e no Líbano seria a prova definitiva da veracidade destas teses. Tal como os Estados Unidos, desesperados com a falta de progressos no Vietname, estenderam a guerra ao Camboja e ao Laos para tentar cortar o abastecimento dos vietcongues, o único que conseguiram foi desestabilizar esses países, que caíram para o lado comunista, sem conseguir derrotar a guerrilha vietnamita, os israelitas pretendem estender a guerra a mais territórios. Neste caso, com a colaboração de grupos de colonos armados, que já estão a desestabilizar a democracia israelita. O resultado, atrevo-me a dizer, será muito semelhante ao do Vietname, ou do Líbano há alguns anos, ou seja, sem derrota militar, mas perdendo a guerra no final.

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