Pílula azul, pílula vermelha

Propus o dilema ao meu alunado: li o início dos 4 xinetes do Anxo Fariña e perguntei, que faríais se de vós dependesse a Apocalipse? O mesmo lhe acontece a Néboa, porém sem dilema nenhum: há quem deposita nela o futuro da humanidade, sim depende dela. Que fazer? Olaia Sendón coloca-nos na Nave, na única que há, a balsa enorme com as humanas que restam após o colapso do planeta Terra. O desastre foi em um tempo já antigo, sem necessidade de indicar qual a causa (sabemos: mudança climática, destruição bélica, todo por junto). A Nave recorre o universo à procura de um outro planeta em que instalar as sobreviventes. Entretanto, são várias as gerações em que o artefacto mantém um simulacro de vida terrestre em aguarda da grande nova. Capa do libro 'Nave', de Olaia Sendón. E a grande nova chega: foi localizado um novo planeta acessível. Néboa, a protagonista, está na idade prefeita para fazer parte da expedição colonizadora. Será eleita? Será quem? Quer fazer parte disso? Nave é uma obra de leitura fácil, polo domínio que a autora faz dos pontos de giro. Dosifica mui bem a informação que nos proporciona, de maneira que é habitual darmos com surpresas que animam a continuar a leitura. De início atrai-nos conhecer o mundo novo que Sendón inventa para nosoutras: o quotidiano altamente controlado e hierarquizado na Nave, presente em outras obras de ficção científica; a imitação por vezes ridícula da vida na Terra, substituindo o perdido por filigranas tecnológicas; a necessidade des-criativa da disciplina; a vigilância opressora; e como sempre, o resquício rebelde. O resquício rebelde proporciona o mistério por desvendar: que acontece nos espaços vedados? Que há por trás de tanta ordem e progresso? Para isso tem grande importância a figura de Trebón, o titor de Néboa, que passa as tardes a lhe propor dilemas ético-filosóficos proibidos à rapariga. Proibidos. Não pensar. Viver nas sombras da cova. E chega o momento da colonização, a seleção de participantes, as instruções exatas a obedecer, o cúmulo de surpresas finais: o planeta familiar, o planeta habitado, o planeta em perigo. Nós o perigo. Nave propõe unha reflexão ética sobre a responsabilidade e o compromisso. Néboa escolhe entre saber e sofrer ou viver na felicidade inconsciente, entre confiar e suspeitar, entre seguir o aprendido ou o vivido, entre salvar a um ou a um cento, e sobre todo, que qualquer decisão traz com ela consequências e responsabilidades. E ela decide. Pílula encarnada. Sempre é possível começar de novo.