Maneirismos do castelhano

Dizíamos num artigo recente que a subordinaçom do galego oficialista ao espanhol é tam intensa que no dicionário da RAG=ILG se oferecem como galegas soluçons próprias do castelhano de Espanha que, numha análise morfológica ou lexicossemántica, se revelam peculiares e até estranhas, bizarras ou extravagantes, soluçons, estas, exclusivas da língua centro-peninsular, ausentes da generalidade das outras línguas (nom sujeitas a tutela espanhola), e que, portanto, constituem verdadeiros maneirismos do cast. incrustados no gal. oficialista. Imos ver nesta peça, a modo de advertência, mais três casos deste fenómeno. Nos rios e noutras massas de água doce de algumhas regions do mundo vivem certos crustáceos, que atingem c. 15 cm de comprimento, de abdómen alongado e de dez patas, sendo as anteriores dotadas de pinças, os quais, portanto, apresentam aspeto similar ao nosso lagostim, que é espécie marinha. Historicamente, esses crustáceos dulciaqüícolas tenhem estado praticamente ausentes da Galiza (agora, algumha espécie exótica invasiva está aqui espalhada), polo que o gal. espontáneo nom lhes gerou denominaçom vernácula, mas em Portugal, onde eles tenhem tido presença um pouco maior (e onde o gal. tem desfrutado de maior desenvolvimento), eles som conhecidos como lagostins-de-rio. É este um nome lógico, porque os lagostins-de-rio nom apenas som muito similares a lagostins, como também, de um ponto de vista evolutivo, eles estám proximamente aparentados com os lagostins (e com os lobrigantes), a integrarem todos eles a infraordem Astácidos dos crustáceos decápodes. Em qualquer caso, a óbvia parecença (e parentesco) dos lagostins-de-rio com os lagostins (marinhos) nom é obstáculo para que, no castelhano de Espanha, aqueles recebam o ilógico nome de cangrejos de río, embora os caranguejos possuam abdómen curto (e pertençam à infraordem Braquiúros dos decápodes). Lagostins-de-rio Neste contexto, como procedeu a RAG=ILG com a designaçom em galego dos lagostins-de-rio? Aqui, ela devia cunhar um neologismo, atender, em prol dos nossos interesses comunicativos, ao português (princípio codificador 4.º das NOMIGa), seguir a lógica da semelhança, refletir o parentesco evolutivo e, assim, propor lagostín de río. Isso fijo? Incrivelmente, nom: no verbete “cangrexo”, o DRAG propom *cangrexo de río! Para cúmulo de males, falha adicional desse *cangrexo de río é que, além de lagostins-de-rio, há de facto verdadeiros caranguejos-de-rio (!), i. é, caranguejos (decápodes braquiúros) que vivem na água doce, como os da família Potamídeos. (Diga-se, de passagem, que a ideologia castelhanista da RAG=ILG também transparece na postergaçom de caranguexo frente a *cangrexo, e a sua mediocridade no facto de afirmar que os lagostins-de-rio pertencem aos Astacídeos, quando, na realidade, também se adscrevem a outras três famílias). No dicionário da RAG se oferecem como galegas soluçons próprias do castelhano de Espanha Um outro maneirismo lexical do cast. de Espanha é o substantivo alto el fuego ‘armistício’: aparta-se do ingl. ceasefire, do fr. cessez-le-feu, do it. cessate il fuoco e até do luso-br. cessar-fogo. É soluçom estranha por nom incorporar o verbo cessar, mas também polo uso isolado do artigo el, em vez do complexo al, que lhe emprestaria lógica (alto el fuego parece dizer que o fogo é alto!; cf. hisp-amer. alto al fuego). O que nos propom aqui o DRAG? Era visto, um servil *alto o fogo! Conteo Mais um maneirismo: supreendentemente, o subst. mais utilizado hoje no cast. de Espanha como derivado do verbo contar ‘determinar o número’ (de votos, p. ex., numha eleiçom) é recuento (!). É ilógico, aberrante e até disfuncional, mas usa-se: ilógico, porque o subst. utilizado como derivado de um verbo deveria começar pola raiz desse verbo, como acontece em gal-port., em que, a partir de contar, temos contagem (derivado progressivo com o sufixo -agem); aberrante, porque, por outro lado, o cast. usa, p. ex., cuenta atrás (= gal-port. contagem decrescente); disfuncional, enfim, porque essa forma recuento coincide com o derivado (regressivo) do verbo recontar, de modo que recuento pode ser ambíguo (recuento de votos é a contagem ou a recontagem dos votos?). Como é que procede aqui o galego oficialista? Incrivelmente, o DRAG, se nom de forma explícita, si de forma indireta, avaliza, com o sentido de ‘determinaçom do número’, o uso de *reconto (v. art. “conta”, “escrutinio” e “reconto”), e, para denotar ‘contagem decrescente’, propom *conta atrás! Brutal subordinaçom! Umha reviravolta: nos últimos anos, no cast. de Espanha (p. ex., jornal El País), começa a ver-se e a ouvir-se umha alternativa a esse aberrante recuento: conteo. Fiquem, entom, avisados os codificadores oficialistas de que, para eles nos darem um galego mais perfeitamente subsumido no espanhol, o DRAG também terá de incorporar sem demora tal soluçom.