Análise

Manual de instruções para (não) instalar Greenfiber (Altri + Greenalia) em Palas de Rei

Xerardo Pereiro é doutor em Antropologia pela Universidade de Santiago de Compostela e professor Associado com Agregação no Departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). João Carvalho é professor de Silvicultura na UTAD. 

Planta de celulose de Altri em Vila Velha de Rodão, Portugal (Foto: Altri).
photo_camera Planta de celulose de Altri em Vila Velha de Rodão, Portugal (Foto: Altri).

O 29 de dezembro de 2022 o projeto GAMA da empresa Greenfiber (união estratégica da portuguesa Altri e da galega Greenalia) é aprovado pelo Conselho da Xunta da Galiza como Projeto Industrial Estratégico (PIE), para assim facilitar a tramitação administrativa de um projeto que, segundo as fontes oficiais, produziria "lyocell" (fibra têxtil), investiria entre 800 e 900 milhões de euros em Palas de Rei (A Ulhoa) e criaria 2.500 empregos diretos.

Na apreciação da Ata do Conselho da Xunta da Galiza a que foi possível aceder ('Información aos Medios'), entre outros, é referida a garantia ambiental durante a tramitação, algo que não se verifica e carece de melhor justificação no pedido de AAI (Autorização Ambiental Integrada) e no EIA (Estudo de Impacto Ambiental), assim como, não consta nenhuma fundamentação subjacente a esta classificação como PIE. A Xunta de Galiza é presidida por Alfonso Rueda e apoiada no parlamento galego pelo Partido Popular, que tem maioria absoluta. Na oposição estão atualmente o BNG (Bloco Nacionalista Galego) –líder da oposição–, o PSG-PSOE e Democracia Ourensá.

Información pública e manifestações cívicas

O 26 de dezembro de 2023 solicita formalmente a captação de 16.790.000 m3/ano de água do rio Ulha para a construção de uma "indústria de fibras têxteis a base de celulosa" conhecida com a designação de projeto GAMA, a instalar na aldeia da Vacariza (freguesia de Remonde e concelho de Palas de Rei). De referir, igualmente, que a Altri promoveu uma reunião de lobbying com a apresentação do projeto GAMA junto da Comissão Europeia, reunião tida em 19 de junho de 2024, com a comissária portuguesa da Coesão e Reformas.

Por outro lado, através do Anúncio de 20 de fevereiro de 2024, a Secretaria Geral de Indústria da Xunta da Galiza, colocou em informação pública o pedido de autorização ambiental integrada (AAI), o estudo de impacto ambiental (EIA), o pedido de declaração de utilidade pública, o projeto GAMA para implementação de uma indústria de fibra têxtil a base de celulosa e as suas infraestruturas associadas.

Desta forma, avançava um projeto que tinha sido apresentado à comunicação social uns dois anos antes com previsão de instalação na Marinha de Lugo e de instalação de uma fábrica de reciclagem de fibras têxteis. Por diversos motivos mudou o local de instalação e o projeto empresarial, para além também de mudar a proposta inicial de produção e emprego.

Depois do anúncio desta pretensão, têm ocorrido a organização de um movimento social cidadão e inúmeras manifestações por parte da população galega.

Estas manifestações cívicas foram protagonizadas por parte de diferentes grupos económicos, ambientais e sociais, como os liderados por Adega (Associação para a Defesa Ecológica da Galiza) e as plataformas Ulloa Viva e de Defesa da Ria de Arousa, entre outras. A população da Galiza, em comparação ao ocorrido em Portugal, tem demonstrado sobre este assunto uma forte consciência ambiental e sentido de cidadania, o que também decorre das suas raízes histórico-culturais e socioambientais. O tipo e origem da matéria-prima (eucalipto), o processo de fabrico e resíduos, com as consequências decorrentes a diversos níveis, a grande escala, bem como a afetação paisagística ao Caminho Francês de Santiago de Compostela contam entre as reclamações.

Indicações Ética e Ambientalmente Responsáveis

A continuação analisaremos a proposta empresarial, as suas estratégias, táticas e ações políticas desenvolvidas pela empresa, que tem suscitado uma forte oposição nas comarcas ribeirinhas afetadas e também em toda a Galiza. Analisaremos também, ainda que sumariamente, o movimento social de oposição a este projeto e as suas principais linhas argumentais. São enunciadas algumas indicações no âmbito de empreendimentos a diferentes escalas e no sentido de promover o uso de recursos de forma mais responsável, seja pelos cidadãos, proprietários fundiários, organizações, empresas ou instituições. O estilo literário que adotaremos será a de uma espécie de manual de (não) instruções de desenvolvimento do projeto.

Não gerar desinformação, ser transparentes com as comunidades afetadas no sentido amplo e não só com os seus representantes políticos, sejam do signo político que sejam.

Reconhecer que na Galiza entendem bem português, que não é preciso falar em "portunhol", que Galiza não pode ser vista etnocentricamente como um todo uniforme, como um território espanhol homogéneo cultural e linguisticamente. Não entender isso e não atuar com sensibilidade face à diversidade cultural é um erro estratégico. Os galegos entendem bem português, pois são do mesmo sistema linguístico.

Não pensar estereotipadamente face ao "ethos" dos galegos, com tópicos redutores como os de que são mansos, conservadores, trabalhadores e subordinados. Essa visão portuguesa, muito dominante no Douro e Trás-os-Montes (ex. nas expressões "Trabalhas que nem um galego... ou como um galego"), não se corresponde com a realidade galega atual, mais complexa e diversa do que nunca. As novas gerações de galegos já não são tão submissas como no passado, protestam, reivindicam, queixam-se, não aceitam as propostas de qualquer forma.

Não pensar que as comunidades afetadas direta e indiretamente vão-se resignar face um projeto que vão ler, estudar, analisar e questionar cientificamente. As estruturas sociais das comunidades afetadas são diversas e não são todas dóceis e anestesiáveis socialmente com "prendinhas". Nelas também estão integradas por investigadores e catedráticos com grande conhecimento nas suas áreas. Por outro lado, eles não "opinam", porém fundamentam e analisam com método científico os projetos apresentados.

Não pedir dinheiros públicos para descarbonização quando vas contribuir a carbonizar mais (ver AAI) e incumpres 8 diretivas europeias no projeto.

Pensar com humildade e não se apresentar como "salvadores da pátria", não manipular dados demográficos e socioeconómicos.

Não afirmar que o lyocell é produzido de forma totalmente ecológica quando não é assim e analisar seriamente alternativas a produção de 113 milhões de toneladas de fibras têxteis no mundo, e como consequência " 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são produzidos na Terra todos os anos. A maior parte desse total (73%) é incinerada e despejada em aterros sanitários, acabando muitos em África. Uma pequena fatia (14%) perde-se durante o processo de produção têxtil ou recolha de resíduos. Menos de 1% é reciclado". A indústria têxtil, e o modo de promoção comercial da moda que lhe está associada (ex., consumo rápido ou fast fashion), é uma das mais atividades mais poluidoras. A EU/CE procura dar resolução com metas mais ambiciosas a partir da Directiva Europeia sobre reciclagem têxtil (Diretiva-Quadro sobre Resíduos).

Não esconder o património natural afetado (Rede Natura 2000, ZEC Serra do Carião, ZEC do sistema fluvial Ulha-Deza e ZEC dos Sobreiros do Rio Arnego... e espécies endémicas ultraprotegidas pela UE como a Santolina melidensis). A Galiza constitui uma das Comunidades Autonómicas com menor área de Rede Natura 2000, contando com 12% (enquanto a média nacional de Espanha se situa nos 27%). O Plano de ampliação da Rede Natura na Galiza inclui a zona onde a Altri propõe o projeto.

Não coloque um projeto ao pé do Caminho Francês de Santiago de Compostela e diga depois que vai "remendar" e construir um "cinto verde" numa zona de solos serpentinititos básicos e ultrabásicos.   

Não aumentar a eco-ansiedade das populações envolvidas no projeto e não afirmar e pensar que as populações afetadas críticas com o projeto só veem a parte ambiental do projeto. Pensar que elas são capazes de ver holisticamente a relação entre ambiente, ecologia, economia, cultura e política e afinal a vida de qualquer projeto ou infraestrutura.  

Rever os critérios de classificação como PIE. As consequências ambientais e sociais –sobre as empresas locais, sobre a saúde dos habitantes, a saúde dos ecossistemas, etc.–, também devem fazer parte da equação do desenvolvimento sustentável. Considerar a cadeia de valor, incluindo a base florestal associada ao projeto, sua relação com os ODS, alinhamento com os objetivos da União Europeia, por exemplo, relacionados com a biodiversidade, o solo e a água, e as alterações climáticas. O programa Next Generation está relacionado com investimentos ambientalmente amigáveis.

Não ocultar ou disfarçar a verdade. Ou dito de outra forma, criar regimes de verdade e não regimes de mentira na comunicação corporativa. Dois exemplos sobre as sanções à Altri Portugal: de uma banda, a empresa de Altri Celtejo (agora Biotek, em Vila Velha de Rodão) recebeu vários castigos, multas, restrições e sanções em 2018 por poluição do rio Tejo. As multas foram duas: a primeira no valor de 12.500 euros, reduzida polo Tribunal a 6000 euros e logo a uma admoestação escrita; a segunda foi de 48.000. Doutra, mais ainda para a desconfiança, no início do mês de março de 2018: No início deste mês, o Ministério do Ambiente confirmou, em resposta à Associação Sistema Terrestre Sustentável, Zero, que os dados do autocontrolo transmitidos pela Celtejo relativos a 2015 e 2016 "demonstram que não foram cumpridos os limites de descarga de efluentes a que estava obrigada", tendo a IGAMAOT confirmado mais um processo de infração por ultrapassagem dos valores limite de emissão (VLE)".

Dialogar com as populações e documentar-se bem sobre elas. Informar diretivamente não é dialogar. Quando nos convidam para estar numa mesa, mesmo em cenários complicados, devemos ter uma postura ética e participar, pois é a nossa responsabilidade social empresarial a que está em jogo.

Escutar as populações e receber estas (líderes das plataformas), até estando em desacordo com as suas visões do projeto e em contextos de polarização ideológica, afetiva, social e política como esta. Devemos construir canais e vias de diálogo político com as comunidades. Os políticos e os governantes devem aprender a ouvir, escutar e reparar, não só tomar decisões arbitrárias a prol do capitalismo canibal (conceito acunhado por Nancy Fraser) da natureza e da cultura.

Pensar na vocação territorial do projeto em seu contexto. Um projeto que não tenha vocação territorial para os planos de vida das comunidades afetadas não tem enquadramento. Colocar uma macrocelulose numa zona agropecuária, florestal e turística, poderá não ser a melhor opção.

Não desumanizar nem desumanar o outro desde o supremacismo tecnocrático, pois corremos o risco de que receber uma resposta social não espetável (cf. Douglas, 1996; IICM, 2011), como está a acontecer na comarca da Ulhoa ou na Ria de Arousa, que na sombra de percepção dos riscos do projeto Altri em Palas de Rei entendem que o projeto vai trazer poluição (fluvial, atmosférica, de barulhos, etc.), destruição dos recursos (marisco da ria de Arousa, água do rio Ulha), perda de biodiversidade, perda de recursos florestais naturais, aumento de risco de incêndio e efeitos associados, degradação da paisagem natural, afetação negativa a elementos fundamentais do património cultural mundial (caminhos de Santiago de Compostela) e das identidades culturais e comunitárias.

Atenção à parábola budista dos cegos e o elefante, isto é, não ver a parte pelo todo e sim tentar compreender o todo desde uma mirada ampla e holística. Do contrário não entenderemos bem o elefante.

Não falar do projeto sem conhecer este com clareza. Isto é, não atuar de "todólogos" face à opinião pública, sem ter uma análise aprofundada do projeto em causa, como acontece nalguns media da Galiza.

Não negar ou tentar ocultar o que está no projeto e o pedido de AAI e EIA.

Não solicitar currículos vitae para trabalhar numa empresa –planta que ainda não têm AAI nem aprovação–, pois isso é uma forma de pressão e de violência simbólica, apresentando o projeto como um fato consumado antes de obter a autorização pública para o efeito e sem ter comprado os terrenos necessários para a instalação da fábrica.

—Considerando que a matéria-prima (eucalipto) constitui um elemento essencial, o EIA incluir informação relevante relacionada com o projeto. Qual a relação das necessidades de matéria-prima indicadas (1,2 M m3 ano) com outras unidades fabris/utilizadores de matéria-prima (eucalipto) e seu impacto ambiental. Impacto decorrente da necessidade potencial de novas áreas de plantações de eucalipto, sua relação e implicações com a moratória na Galiza a novas plantações de eucalipto até 2025 (Lei de Recuperação da Terra Agrária da Galiza, 2021) e da de Portugal até 2030.

Tomar em consideração, entre outros, o tipo de matéria-prima. O pretenso interesse e alternativa ecológica com fabrico de lyocell esbarra com o tipo de matéria-prima e consequências associadas, bem como, com o processo de fabrico e resíduos, com os impactos inerentes.

Pedir dinheiros públicos para um projeto que não apresenta um plano empresarial sustentável e viável em território europeu, sem alimentar a insustentabilidade da indústria chinesa, a quem ocultamente poderá servir, questionando assim o tão repetido discurso da economia circular de proximidade.

Não pedir fundos a programas europeus como o Next Generation o qual está relacionado com investimentos ambientalmente amigáveis, na defesa da biodiversidade, no combate às alterações climáticas e ajudando a construir um futuro mais ecológico e mais resiliente, quando o projeto da Altri não se enquadra neste âmbito, distorce diversos aspetos relacionados com os propósitos do Next Generation e se apresenta com outra imagem (greenwashing) bem diferente.

Não praticar o extrativismo ambiental e económico e não gerar situações de relação neocoloniais. Respeitar a ética e a justiça ambiental e social públicas.

Não contribuir para a degradação da paisagem e dos recursos florestais naturais, especialmente os do Caminho Francês de Santiago de Compostela, fomentando antes formas de uso dos recursos, processos produtivos e bens, em equilíbrio com o meio e efetivamente sustentáveis.

—Na preparação deste tipo de propostas/projectos ter em atenção as Diretivas Europeias. Neste caso, o projeto implica mais diretamente com as seguintes: a da Água, dos Habitats, das Aves, da Qualidade do Ar, dos Nitratos.

Seguir o normativismo e normatividade urbanos para interpretar, medir e intervir na paisagem, violando a terra e os seus lugares ambientais e culturais sagrados para as comunidades locais.

Desrespeitar as paisagens sagradas dos Caminhos de Santiago (neste caso as do caminho francês e o caminho primitivo), afetar negativamente os seus espaços estéticos e de contemplação espiritual.

Pensar etnocentricamente e desde uma visão arrogante e de domínio o que é melhor para as comunidades afetadas, convertidas desde os centros de poder em grupos subalternos imaginados como ignorantes, parolos, atrasados e radicais.

Apresentar estudos de impacto ambiental que tenham bases científicas credíveis e que contemple um estudo socioeconómico científico bem estruturado e coerente (cf. Pereiro, Carreño e González Rodríguez, 2024; Pereiro, 2004a; Pereiro, 2004b).

Não menosprezar 24.000 alegações, com 73 fortes argumentos científicos contrários ao projeto e à má escolha do lugar de instalação da fábrica.

Não utilizar de forma superficial as palavras "sustentável" e "sustentabilidade".

Abandonar o elitismo e o classismo derivados de um pensamento DDT (donos disto tudo), que alguns políticos e empresários capitalistas expressam nos seus discursos, desde uma visão absolutamente patrimonialista dos recursos naturais e culturais (ex. Galiza é a minha quinta). São egos sem superegos que se consideram superiores a todos de forma irresponsável e soberbia. É esta visão de salva pátrias e de evangelizadores de "indígenas" e "nativos" considerados de forma evolucionista como atrasados e pouco informados.    

Não estigmatizar os ativistas e pensar que sempre temos razão, que a nossa razão é a única possível e também a melhor.

Não confundir lei com justiça ambiental, social e patrimonial.

Não confundir administração e regulação pública com imposição e tomadas de decisões sempre a prol do capitalismo natural.

—Querer fazer negócios privados com dinheiros públicos de todos os europeus sem demonstrar bem a sua utilidade social e o seu benefício coletivo.

Não desvalorar o direito democrático da discordância e a dissidência.

—Não apresentar como uma questão menor que o rio Ulha (132 km), o sexto rio mais longo da Galiza e um dos que mais fauna de invertebrados apresenta vai ser afetado seriamente ao despejar nele água tratada a 27 graus centígrados, afrontando a Directiva Europea da Auga e criando riscos de destruição de um sociosistema fluvial por eutrofização, nanobactérias e outras.

Ter em atenção os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU.

Não praticar o greenwashing, com uma publicidade em que se procura passar uma imagem de sustentabilidade e de "verde" em vez de realizar práticas ambientalmente corretas e um impacto ambiental positivo. Por exemplo, com a criação de uma horta biológica no espaço da fábrica da Altri- Celtejo, em 2013, com a abertura do ano letivo escolar, causando o desalento por parte de grupos locais.      

Não converter a informação em propaganda (de acordo com o dicionário da Universidade de Oxford, a propaganda é a disseminação sistemática de informação de forma tendenciosa e enganadora para promover uma causa, defender um ponto de vista particular ou uma agenda política, a propaganda utiliza discursos manipuladores da verdade e da realidade).

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