Opinión

Médio Oriente

Raramente me refiro aos conflitos do Médio Oriente nestas páginas, não por desinteresse pelo assunto, que tenho, como muitos dos leitores deste jornal, nem por falta de informação. Os conflitos que afetam Israel e a Palestina são, de longe, os que há mais tempo despertam o interesse jornalístico e académico e são, de longe, os mais estudados em todas as suas dimensões. Basta comparar a atenção dada a este conflito com a que foi dada à muito recente guerra de secessão de Tigré na Etiópia, com muito mais vítimas e que não mereceu mais do que um par de notas de análise na imprensa, nos raros casos em que algum órgão de comunicação social decidiu interessar-se. Nem sequer foi destacado nos media nacionalistas, apesar de se tratar de um conflito de autodeterminação. Também não é um conflito que deixe o observador indiferente, pois suscitou e continua a suscitar polémica desde o seu início e é um daqueles conflitos que têm a particularidade de ajudar a definir os blocos ideológicos, de tal forma que os blocos de esquerda e de direita saltam como ressortes para defender o seu lado, sem qualquer debate prévio, de cada vez que o conflito rebenta. Se não o faço, é porque não acabei de compreender o conflito, e porque quase ninguém envolvido nele é o que diz ser, e também porque quase todos os atores fazem um jogo duplo ou triplo.

Em princípio, os lados opostos deveriam ser claros: os países da NATO apoiariam Israel e os muçulmanos, xiitas e sunitas, com o apoio tácito dos russos, apoiariam os palestinianos. Mas vejamos apenas o que se passou no último mês, sem ter que ir às origens do conflito. Em Moscovo, um grupo de militantes do Daesh-K atacou um centro comercial, causando dezenas de vítimas. Trata-se de um grupo radical islâmico sunita atacando um país que é aliado do Irão e, indiretamente, dos palestinianos. Caças israelitas bombardeiam um consulado iraniano na Síria, matando vários membros das Brigadas Al Quds, outrora responsáveis pela derrota do Daesh na Síria, que agora lutam contra Israel a través de milícias. Israel vai atacar diretamente um país com o qual não estava em guerra, violando a Convenção de Viena ao atacar uma embaixada, incorrendo assim no que é definido como um crime de guerra. A retaliação do Irão tem, pois, uma certa lógica, uma vez que ataca uma zona da sua soberania. Esta retaliação, sob a forma de mísseis e drones, é comunicada aos serviços secretos americanos, para serem devidamente interceptada, e é negociada pelos americanos com o Irão através da Turquia, que, como é habitual, joga um jogo de várias bandas. Para além dos aviões dos países da NATO, os esforços de neutralização envolveram aviões de países árabes, supostamente aliados dos palestinianos, da Jordânia e da Arábia Saudita, país este último que, de momento, nem sequer reconheceu formalmente Israel, e que não parece muito preocupado, tal como o Egipto, com as desgraças dos habitantes da Faixa. A contra-retaliação de Israel, por seu turno, é também deliberadamente moderada e de pouca importância, e aparentemente forçada pelas potências ocidentais. Alguns media referem que seria em troca de uma autorização ocidental para invadir a cidade de Rafah, aparentemente ainda não concedida. Em todo o caso, os únicos que parecem preocupar-se um pouco com os palestinianos, embora não excessivamente, e que procuram moderar Israel são as potências ocidentais, supostamente os seus aliados mais fiéis, mas na prática menos do que algumas potências árabes. Entretanto, os que sofrem, abandonados por todos, especialmente pelos seus, são os habitantes de Gaza, vítimas de um tabuleiro de xadrez geopolítico impossível de compreender.

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