Prevê-se vida curta para novo Governo português: a nova legislatura

Luís Montenegro é o novo primeiro-ministro português. Nascido no Porto em 1973, o atual líder do partido conservador Partido Social Democrata (PSD) tem a difícil missão de conduzir o Governo por entre a difícil tormenta parlamentar. A Aliança Democrática (AD), a coligação em que concorreu em conjunto com o CDS-Partido Popular, obteve apenas 80 deputados num hemiciclo de 230, uma das piores vitórias da história legislativa desde 1975. O Partido Socialista (PS) perdeu 42 deputados mas, ainda assim, tem menos dois do que a AD e os mesmos 78 que o PSD. A subida espetacular da extrema-direita liderada por André Ventura foi superior ao que se esperava e o Chega pode determinar agora a sobrevivência política de um Governo de direita minoritário. A primeira sessão legislativa parecia ser o prognóstico dos novos tempos que aí vêm. Para eleger a mesa da Assembleia da República, os meios de comunicação davam conta de um acordo entre a AD e o Chega. José Pedro Aguiar-Branco, deputado do vencedor PSD, esperava ser eleito tranquilamente presidente da mesa do parlamento com os votos da extrema-direita. À esquerda, a reação era de choque. À primeira oportunidade, a direita mostrava que queria negociar com o Chega. Pior, o candidato apresentado pelo partido neofascista para vice-presidente do parlamento era Diogo Pacheco de Amorim, antigo membro de uma organização terrorista de extrema-direita que fez explodir bombas contra militantes e sedes de esquerda durante a revolução. Só que no mesmo dia as televisões perguntaram ao líder do CDS sobre este acordo com a extrema-direita e Nuno Melo respondeu que não havia qualquer entendimento. O Chega aproveitou para se vitimizar e quando chegou a hora da eleição os seus deputados abstiveram-se conduzindo ao fracasso do candidato do PSD. De forma caricata, durante um dia e meio, pela idade e experiência, o presidente provisório para garantir os trabalhos do parlamento foi o deputado comunista António Filipe, ao ponto de muitos analistas políticos dizerem que mais valia escolherem o comunista do que prosseguir com semelhante teatro parlamentar. No fim, PSD e PS estabeleceram um acordo que pode dar algumas luzes sobre o tempo que aí vem: os dois partidos terão a Presidência da Assembleia da República. O PSD nos dois primeiros anos e o PS nos dois seguintes. Mas, cereja no topo do bolo, o PSD permitiu que Diogo Pacheco de Amorim fosse eleito vice-presidente do parlamento. Ou seja, 50 anos depois do 25 de Abril, a extrema-direita campeia livremente com 50 deputados. Como chegámos aqui? Para António Avelãs Nunes, antigo vice-reitor da Universidade de Coimbra, as políticas do neoliberalismo estiveram na base do nazi-fascismo e são agora também a base do atual crescimento da extrema-direita. "As políticas neoliberais estão a minar as condições de vida, o bem-estar, a dignidade dos povos da Europa", afirma. "Eu creio que a política neoliberal, a Europa neoliberal em nome das famosas regras da concorrência, em nome de que o Estado pode ter empresas públicas mas as empresas públicas têm que se comportar como qualquer empresa privada e têm que respeitar as regras da concorrência, tudo isso retirou condições de governabilidade e matou o Estado Social. O Estado Social que foi inventado pelo capitalismo para salvar o capitalismo de uma morte que parecia certa morreu. A partir do Miterrand isso ficou claro". Manuel Loff, professor e investigador universitário, considera que o país não tinha representação parlamentar da extrema-direita mas que era óbvio que essa herança de meio século de ditadura se mantinha dentro dos partidos da direita clássica. "Chega-se até aqui primeiro por uma tendência internacional de reforço de uma cultura política ultrarreacionária pelos mesmos segmentos da população que há cem anos sustentaram o fascismo que têm adotado nos últimos anos uma atitude de reação muito hostil contra algumas alterações na sociedade", explica. Para este doutorado com duas teses sobre o fascismo em Portugal e Espanha, essas mesmas alterações nunca foram completadas nem militantemente assumidas pelo Estado e pela maioria da sociedade. "É aquilo a que a própria extrema-direita chama a batalha cultural. Começaram a adotar a tese gramsciana da hegemonia cultural. São contra o feminismo. São contra o que se entendem ser o favorecimento sistemático das mulheres nas questões de natureza judicial e tudo quanto tem a ver com a violência de género. São contra os direitos das minorias de orientação sexual ou de identidade sexual ou de identidade de género e são contra o que se dizem ser a ditadura das minorias sobre as maiorias. Todas estas alterações, os direitos das mulheres e os direitos das minorias, são alterações na vida social que nunca ganharam consenso maioritário na sociedade e que têm sido muito fragilmente defendidos pelas instituições". A grande escola do Chega não é a extrema-direita europeia mas a brasileira, o bolsonarismo A subida eleitoral do Chega é explicada, em parte, pela maioria dos analistas, e também por Manuel Loff, por uma participação elevada de eleitores habitualmente abstencionistas. "São efetivamente eleitores irregulares, que vão e não vão votar numa era em que uma grande parte da comunicação política se faz através das redes sociais, temos uma parte maioritária da sociedade cuja partilha da informação política não é feita pelos meios tradicionais que até agora nós conhecíamos". Nesse sentido, sublinha que a grande escola do Chega não é a extrema-direita europeia mas a brasileira, o bolsonarismo. "Por vários motivos, o linguístico é o primeiro e em segundo a preeminência de muitos luso-brasileiros dentro do Chega". Nesse sentido, entende que os partidos de esquerda têm de encontrar respostas para conseguir ganhar força nesse novo contexto. "Este PS não vai servir de força de resistência à direitização do Governo e da sociedade. E são os partidos à sua esquerda que o podem fazer. O que eu acho é que se reduziu o campo, e é preciso reconquistá-lo de novo e mobilizá-lo de novo, o campo daqueles que entendiam que a esquerda a sério, herdeira do 25 de abril era aí que estava. Porque uma parte do povo de esquerda, à esquerda do PS, passou a achar que António Costa, ex-primeiro-ministro, e, hoje, Pedro Nuno Santos, atual líder do PS, são elementos importantes na construção de políticas democráticas e não perceberam a lição dos dois anos de maioria absoluta, que demonstram que o PS não estava nada interessado em governar estruturalmente à esquerda". António Avelãs Nunes, que chegou a ser secretário de Estado dos primeiros governos provisórios durante a revolução, considera que o espírito do 25 de Abril "está vivo". E recorda as lutas dos sindicatos e as lutas de vários setores profissionais. "Eu quero acreditar que esse espírito continua de pé e que as forças protofascistas não vão ganhar, de um momento para o outro, a importância que gostariam de ter. E portanto, por mais mal que nos façam em termos do Serviço Nacional de Saúde, do serviço público de Educação, da privatização do pouco que nos resta, do desgoverno que vão impor, na TAP, o povo português há-de continuar a lutar". "Apesar de todos os agravos", afirma, "de todos os desgostos que possamos ter com o que se passou depois da revolução, o 25 de Abril valeu a pena. Hoje somos um país muito melhor do que já fomos. E eu costumo dizer, em termos já mais vastos sobre o capitalismo e o socialismo, que a nossa vantagem é que o capitalismo tem os séculos contados. Portanto o futuro está do nosso lado. E por mais tempo que demore a nossa luta, eu creio que nós acabaremos por ganhar esta luta". Quem é o vice-presidente do parlamento português de extrema-direita? Miguel Carvalho, jornalista especialista na extrema-direita portuguesa, escreveu Quando Portugal Ardeu, um livro que detalha o terrorismo pós 25 de Abril protagonizado pelos defensores do fascismo. É ele que traça o perfil de Diogo Pacheco de Amorim, o neto de um monárquico íntimo de Salazar e sobrinho do fundador dos extremistas do Partido do Progresso no pós-25 Abril, considerado uma referência dentro do Chega. O novo vice-presidente da Assembleia da República fez parte do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) em 1975. Num artigo para a revista Visão, Miguel Carvalho recorda essas ligações ao terrorismo. "Embora negue qualquer ligação às atividades militares do MDLP nos tempos do pós-revolução, Diogo Pacheco de Amorim esteve no setor político do movimento liderado pelo antigo Presidente da República, António Spínola, que coordenou e promoveu centenas de atentados bombistas e assaltos a sedes de partidos e organizações de esquerda naqueles primeiros anos de liberdade, alguns dos quais resultaram em mortes, como foi o caso do padre Max e da estudante Maria de Lurdes, na Cumieira, em Vila Real". Desde o Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN), de Kaúlza de Arriaga, um dos ultras da ditadura, à clandestinidade no MDLP, "que contou com vastas e poderosas ramificações políticas, policiais, militares, religiosas e financeiras, a militância extremista de Diogo Pacheco de Amorim contagiou a sua veia poética". De acordo com o jornalista, é dele a autoria do poema Ressurreição, hino nacionalista cantado por José Campos e Sousa, em cujos versos o vice-presidente do Chega deixa uma imagem elucidativa do rasto então deixado em várias zonas do país: "E já ardem bandeiras vermelhas / Nos campos há gritos de guerra / Nas trevas da noite há centelhas / Das rosas em festa da terra".