Afinal Olivenza é Olivença?

Sorridente e com dois militares fardados a ladeá-lo, o ministro da Defesa português, Nuno Melo, afirmou recentemente que "Olivença é portuguesa". Em representação do Governo de Portugal, o também líder do partido conservador de direita, CDS-PP, aproveitou um evento do exército perto da fronteira para deixar claro que "Olivença deverá ser entregue ao Estado português". O esclarecimento chegou poucas horas depois, numa publicação do ministro em que afirmava que "A opinião é antiga, não mudou, mas não vincula o Governo". A ideia de que esta terra estremenha é, afinal, território português e que, por isso, deve ser devolvida por Espanha, mora no coração de uma minoria de portugueses conservadores e é, aparentemente, irrelevante para a maioria das pessoas de Olivenza. A origem da questão O acordo que marca a primeira definição dos limites da soberania de Portugal foi assinado em 1297 na vila de Alcañices. O tratado não definia uma linha de fronteira como a que conhecemos hoje, mas sim o conjunto de localidades e posições fortificadas que pertenciam a Portugal e a Castela. Olivenza era, então, portuguesa. Ainda que tenhamos a tentação de ver estas questões à luz da atualidade, a verdade é que os limites entre povos, identidades, culturas e jurisdições foram durante séculos difusos e dinâmicos. A "fronteira mais antiga e estável da Europa", como em Portugal gostamos tanto de repetir, foi palco várias disputas. Um dos conflitos mais relevantes deu-se no princípio do século XIX, quando no contexto do choque entre França de Napoleão e Inglaterra, Espanha se aliou a França e, como forma de pressionar Portugal a ceder às exigências francesas, começou a posicionar tropas junto à fronteira. Em 1801, naquela que é conhecida como a Guerra das Laranjas, Espanha conquistou uma série de territórios, entre eles Olivenza. Uns anos mais tarde, no Congresso de Viena onde se definiram as fronteiras da Europa pós-napoleónica, Espanha concordou em devolver esta terra, mas nunca cumpriu o acordo, e a situação mantém-se até hoje. Nuno Melo tenta ganhar protagonismo e ressuscitar o seu partido mobilizando agendas conservadoras e patrióticas O tempo passou, e em Olivenza não parece haver grandes debates acerca do lado em que preferem estar da fronteira. Nos últimos anos têm-se desenvolvido uma série de iniciativas e colaborações transfronteiriças para preservar as heranças do passado português de uma terra que se sente espanhola. Em 2014, criou-se a possibilidade de que quem é natural de Olivenza possa ter dupla nacionalidade. Passados 10 anos, e num universo de 14.000 habitantes, apenas 746 tomaram esta opção, o que representa pouco mais de 5% da população. Em Portugal, para além de iniciativas pontuais organizadas pelos membros do grupo "Amigos de Olivença", este é um não assunto. Ainda que formalmente Portugal não reconheça que Olivenza é território espanhol, na prática esta questão não prejudica as boas relações diplomáticas entre os dois estados ibéricos. Quais eram, então, as verdadeiras intenções do ministro ao fazer aquelas declarações? Na reconquista da relevância política Nuno Melo é líder de um partido moribundo. O CDS-PP foi durante décadas o movimento político com representação parlamentar mais à direita em Portugal, mas esvaziou-se recentemente com o aparecimento do Chega e da Iniciativa Liberal. Por ter entrado numa coligação com o PSD que saiu vitoriosa das últimas eleições, o seu líder chegou ao governo. Ainda que com uma pasta tão importante como a Defesa, o CDS-PP continua sem um projeto político. Nuno Melo tenta ganhar protagonismo e ressuscitar o seu partido mobilizando agendas conservadoras e patrióticas. Ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter o CDS dentro do governo garante a simpatia do eleitorado mais conservador, e a possibilidade de pôr em debate público questões que lhe custariam eleitoralmente abordar. Depois deste apelo ao sentimento de paixão pelo território perdido, virão outras investidas. Atacarão o direito ao aborto, já com tantas deficiências de funcionamento. Dificultarão o avanço da eutanásia, que, embora aprovada por lei, ainda aguarda a regulamentação do governo. Farão o que estiver ao seu alcance para impedir a integração das comunidades imigrantes no país. A extrema-direita ainda não chegou ao poder, mas muitas das suas causas sim. O episódio de Olivenza mostra-nos que estas agendas estão pouco preocupadas com a desadequação histórica e social das suas propostas e com a polémica que geram. De facto, é exatamente disso que se alimentam e este é o combustível que as faz avançar.