Luís Nobre, presidente do Eixo Atlântico: "Ao contrário que a linha Lisboa-Madrid, a alta velocidade coa Galiza é muito importante para Portugal"

Luís Nobre, presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, capital do distrito homónimo, na região Norte, preside também desde este ano o Eixo Atlântico. Nesta entrevista concedida a Nós Diario, aprofunda nos desafios e oportunidades económicas a aproveitar entre a Galiza e Portugal. 
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photo_camera Luís Nobre (Foto: Nós Diario)

O  Eixo Atlântico, entidade que integra os principais municípios da Galiza e do Norte de Portugal e que promove iniciativas para o desenvolvimento através da cooperação transfronteiriça, tem na sua Presidência o autarca [alcalde] de Viana do Castelo, o socialista Luís Nobre. O presidente da Câmara Municipal esteve à conversa com Nós Diario para identificar as chaves da cooperação entre os territórios das duas margens do Minho e as oportunidades que a proximidade geográfica e o galego e o português oferecem.

Portugal é o primeiro investidor estrangeiro na Galiza e Brasil o segundo, como valora a presença do capital galego na eurorregião?

Portugal, e sobretudo a região Norte de Portugal, são regiões de grande tradição exportadora. As relações entre fronteiras são de diversa índole, mas sem dúvida que as comerciais e industriais são as que maior impacto traz para os dois lados da fronteira. Isso mesmo mostra o relatório socioeconómico do Eixo Atlântico, que revela que, em 2022, a Galiza exportou 2.800 mil milhões de euros e o Norte de Portugal 2.340 mil milhões de euros, em contraciclo com o caráter deficitário das balanças comerciais de bens dos respetivos países. Em ambos os casos, o principal destino das vendas externas são os países da União Europeia, representando 75% das vendas galegas e 73% das nortenhas. Ou seja, nem a perda de população nem as assimetrias entre formas de poder a as regiões, têm afetado a tendência exportadora das duas regiões, sendo por isso mesmo um fator importante para o desenvolvimento de Portugal e de Espanha.

Os diferentes indicadores mostram uma importante integração económica na eurorregião, até que ponto está não vai muito à frente da integração política?

Sem dúvida que os números e a história de Portugal e de Espanha e sobretudo da euro-região mostram uma aproximação, mas certo é que a ausência da regionalização – um factor político determinante para o desenvolvimento da região Norte de Portugal– se torna um entrave. Estamos em diferentes patamares de decisão, a proximidade do poder não poderia ser mais diferente e só quando existir uma igualdade de centralização de poder a norte é que as duas euro-regiões poderão avançar para a integração política mais direta, mais próxima e mais igual.

Quais são, na sua opinião, os principais desafios que tem pela frente a eurorregião no âmbito das infraestruturas?

Portugal tem um compromisso muito forte com os assuntos marítimos, que sempre foram uma prioridade na política portuguesa desde o tempo do Infante D. Henrique, e a Galiza desempenha um papel importante nesta estratégia, uma vez que constitui 25% da costa atlântica ibérica (18% da costa ibérica ou 22% da costa espanhola). Por conseguinte, pode desempenhar um papel decisivo tanto na logística europeia como na energia ligada ao mar. A existência de  corredores ferroviários na rede europeia é uma grande vantagem competitiva, mas necessita de uma ligação vertical. Este é o principal desafio da ligação ferroviária Ferrol-Lisboa, tanto para passageiros como para mercadorias, bem como a ligação desta linha com os parques empresariais e a melhoria das ligações internas, tanto em Portugal como na Galiza.

Foi proposto o projeto-piloto pelo sindicato Comisións Obreiras e apoiado pelo Eixo Atlântico para criar uma linha de comboio pendular Vigo-Viana do Castelo com paragens nos parques empresariais.

É sabido, porque o tornaram público diferentes responsáveis políticos do seu país, que o Governo espanhol queria dar prioridade à conexão entre Madrid e Lisboa frente à conexão do Porto com Vigo, como analisa isto?

A nova ligação Lisboa-Ferrol (Porto-Vigo é o troço internacional) e a sua ligação com o aeroporto Sá Carneiro é uma proposta que nasceu do Eixo Atlântico. Isto é afirmado nas atas das Assembleias Gerais e nos arquivos dos jornais. Enquanto se trabalhava na modernização da linha do Minho, algumas cidades como Viana do Castelo, da qual sou Presidente da Câmara, propuseram uma nova comunicação que permitisse melhores tempos, uma vez que o traçado da linha do Minho tem uma série de limitações que impossibilitam altas velocidades entre Valença e Porto. 

Desde o primeiro minuto percebemos que as duas ligações eram estratégicas e o Dr. António Costa, que foi o grande promotor da linha, também. É fácil perceber que a maioria dos portugueses vive entre Lisboa e o Minho. Braga é a terceira maior cidade do país, Viana é a capital do Alto Minho e, na nossa sub-região, temos municípios de grande poder industrial e exportador. Os principais portos e aeroportos estão nesta linha, bem como as universidades e os centros tecnológicos de Coimbra, Aveiro, Porto e Minho. É por isso evidente a prioridade para Portugal. 

Ao contrário da linha Lisboa-Madrid, em que nós somos favoráveis à construção, mas que não é estruturalmente importante para Portugal, uma vez que entre Lisboa e Espanha apenas se localiza Évora e esta não é uma cidade com grande população. Temos de ter em conta que a linha de alta velocidade para a Galiza é estrategicamente muito importante para Portugal e, para além disso, tem um plano de cofinanciamento europeu.

Como presidente do Eixo Atlântico, quais entende que são os desafios mais urgentes que tem pela frente este coletivo?

O Eixo Atlântico goza de uma excelente saúde, em grande parte graças à adaptação aos tempos, às mudanças e às necessidades, como fizemos com a pandemia. Temos uma excelente máquina na produção e documentação estratégica que nos permite estar muito à frente dos grandes problemas das cidades, como a Agenda Urbana, o mapa da coesão social, a análise das perspetivas económicas, a mobilidade urbana, a gestão de resíduos, a descarbonização, etc. Estes são exemplos do que produzimos nos últimos anos. Por conseguinte, todos nós mantemos esta linha e a sua estabilidade, incorporando novos desafios, especialmente relacionados com a resiliência, a política social e outros fatores importantes, como aquele em que estamos a trabalhar em relação à energia. É igualmente importante manter a cooperação industrial e turística entre as cidades e evitar confrontos históricos.

A UE está a entrar num novo período, com novas prioridades políticas decorrentes da pandemia e dos conflitos bélicos, e o Eixo Atlântico está a analisar cuidadosamente a conceção de uma estratégia em consonância com as novas políticas europeias. Um exemplo é o posicionamento da reconstrução da Ucrânia após o fim da guerra, envolvendo as cidades do Eixo no processo. Não só como um gesto de solidariedade, mas também para facilitar o acesso das cidades a estes processos e a novos peritos, engenheiros, arquitetos, etc.

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