Tem sido com ânimo que ouvimos as notícias da forte mobilização das populações galegas contra a proposta da multinacional Altri de instalar uma gigante fábrica para produzir centenas de milhares de toneladas de celulose solúvel e de fibra têxtil vegetal. A experiência portuguesa é claríssima: o modelo de negócio e as fábricas de celuloses baseadas nas monumentais monoculturas de eucalipto têm sido há décadas o funeral do mundo rural e da natureza no interior do nosso país. Que ninguém o repita por falta de alerta!
Ninguém precisa de esclarecimento acerca de eucaliptos, incêndios florestais, abandonos e desertificação: Portugal é o país que reiteradamente mais arde no Mediterrâneo, é o país com maior área de eucaliptal relativo do mundo e um país em que o abandono do interior não para de acelerar. Mesmo depois dos maiores incêndios da nossa história, em 2017, as áreas de eucaliptal não pararam de aumentar e as celuloses, que estiveram e continuam a estar em todos e cada um dos governos portugueses desde o fim da ditadura, não viram os seus interesses beliscados em um euro. Sabemos também que são os territórios da Galiza e das Astúrias aqueles que mais ardem no Estado Espanhol e não é de espantar, considerando a sua composição florestal infelizmente tão próxima da nossa, absolutamente invadida e ocupada por Eucalyptus globulus e Eucalyptus nitens.
Portugal é o país que reiteradamente mais arde no Mediterrâneo, é o país com maior área de eucaliptal relativo do mundo
Vivemos em territórios cada vez mais perigosos pela combinação entre crise climática e eucaliptização. Mesmo considerando os dúbios critérios da certificação florestal, tão dominada pela indústria das celuloses, que são as mesmas que presidem ao esquema FSC, como a Altri faz neste momento, esta empresa teve o seu certificado de gestão suspenso em 2011 por reiterados atropelos à boa gestão silvícola e até plantação em áreas protegidas. Os eucaliptos e as celuloses na Península Ibérica são a antecâmara da desertificação, promovendo os incêndios e impedindo a adaptação dos nossos territórios ao clima futuro.
Depois da fábrica
Mas este é apenas o problema antes de chegarmos à fábrica. A indústria das celuloses é a indústria que mais gases com efeito de estufa emite em Portugal (se bem que a The Navigator Company neste caso suplanta a Altri). De entre muitos episódios que ano após ano marcaram os rios portugueses, o complexo industrial da Altri em Vila Velha de Ródão é um exemplo histórico de destruição reiterada do rio Tejo, fruto de descargas devastadoras. A Celtejo, propriedade da Altri, descarrega regularmente efluentes perigosos no maior rio da Península Ibérica. Nos anos entre 2015 e 2018 houve forte contaminação exposta publicamente por vários cidadãos "Guardiões do Tejo", incluindo grandes mortandades de peixe, formação de espumas com mais de um metro de altura, bloom de algas e cianobactérias, entre outros. O rio, escuríssimo, tinha níveis de fibras celulósicas 5.000 vezes superiores aos normais, tendo a Agência Portuguesa do Ambiente identificado o emissário da Altri como a fonte. Na altura chegou-se mesmo a considerar a possibilidade de descargas de outros subprodutos da indústria da celulose, como as lamas secundárias ou licor negro, com enorme capacidade de fazer espuma por causa da soda cáustica e sabões de resina. O governo, que então ameaçou proibir as descargas da fábrica, acabou por mandar encerrar outras fábricas poluidoras no Tejo e deixar a Altri intocada. No meio deste processo, a Celtejo tinha processado Arlindo Marques, ambientalista que tinha registado em vídeo as descargas e a poluição, pedindo-lhe 250 mil euros. Em 2019 teve de abandonar a ação. Em 2021, a Altri livrou-se do nome Celtejo, tão associado aos escândalos da poluição, rebatizando a fábrica de Biotek.
Outra famosa fábrica da Altri, a Celbi, na Figueira da Foz, junto ao litoral, faz as descargas de celuloses através de um emissário que despeja diretamente dentro do mar, sem limites na quantidade de matéria orgânica dissolvida (CBO5/TSA, que retira oxigénio dissolvido na água, que afeta todos os seres que vivem no meio aquático). A terceira fábrica, a mais antiga, é a Caima, em Constância. Além das já habituais descargas negras no rio Tejo, que o deixam frequentemente com níveis de oxigénio dissolvido zero, a fábrica (como as outras duas) marca toda a região pelo fortíssimo e nauseabundo cheiro que permanece no ar.
Vivemos em territórios cada vez mais perigosos pela combinação entre crise climática e eucaliptização
Não podemos desejar nem aceitar que as experiências catastróficas desta indústria portuguesa vão destruir agora território galego (ou qualquer outro). A indústria suja da celulose, que desde a plantação até à saída da fábrica é um fardo tantas vezes letal para pessoas, regiões e biodiversidade, não precisa de novas fábricas. Pelo contrário, a produção e consumo de celulose e de papel tem de ser ativamente reduzida.
Sabemos bem dos argumentos esgotados destas empresas, que servem principalmente para cooptar aparelhos políticos e partidários. São argumentos que rejeitam ativamente a realidade, escondendo o seu impacto social e ambiental, pintando-se tantas vezes estas empresas de verdes ou sustentáveis, com apoio de fortes agências de comunicação. A indústria da celulose e do papel é uma mina a céu aberto, destruindo inapelavelmente comunidades e territórios.
Do lado de cá, enviamos não só avisos como solidariedade e coragem. Que o povo galego trave a Altri e nos devolva a lição para também nós por cá acabarmos com esta indústria de morte.