Análise

Travar a catástrofe em Palas de Rei, uma mensagem portuguesa

Artigo assinado por Alice Gato, Ana Henriques, Carlos Lopes Antunes, Fernando Antunes Amaral, Francisca Sá Mota, Isabela Ferro, João Camargo, Leonor Canadas, Maria Teresa Rito, Mariana Rodrigues, Miguel Manso, Mónica Casqueira, Nilton Cordeiro Júnior, Paulo Pimenta de Castro e Pedro Triguinho.
Fábrica de Celbi (Altri) em Figueira da Foz, na costa atlántica de Portugal. (Foto: Andritz).
photo_camera Fábrica de Celbi (Altri) em Figueira da Foz, na costa atlántica de Portugal. (Foto: Andritz).

Tem sido com ânimo que ouvimos as notícias da forte mobilização das populações galegas contra a proposta da multinacional Altri de instalar uma gigante fábrica para produzir centenas de milhares de toneladas de celulose solúvel e de fibra têxtil vegetal. A experiência portuguesa é claríssima: o modelo de negócio e as fábricas de celuloses baseadas nas monumentais monoculturas de eucalipto têm sido há décadas o funeral do mundo rural e da natureza no interior do nosso país. Que ninguém o repita por falta de alerta!

Ninguém precisa de esclarecimento acerca de eucaliptos, incêndios florestais, abandonos e desertificação: Portugal é o país que reiteradamente mais arde no Mediterrâneo, é o país com maior área de eucaliptal relativo do mundo e um país em que o abandono do interior não para de acelerar. Mesmo depois dos maiores incêndios da nossa história, em 2017, as áreas de eucaliptal não pararam de aumentar e as celuloses, que estiveram e continuam a estar em todos e cada um dos governos portugueses desde o fim da ditadura, não viram os seus interesses beliscados em um euro. Sabemos também que são os territórios da Galiza e das Astúrias aqueles que mais ardem no Estado Espanhol e não é de espantar, considerando a sua composição florestal infelizmente tão próxima da nossa, absolutamente invadida e ocupada por Eucalyptus globulus e Eucalyptus nitens.

Portugal é o país que reiteradamente mais arde no Mediterrâneo, é o país com maior área de eucaliptal relativo do mundo

Vivemos em territórios cada vez mais perigosos pela combinação entre crise climática e eucaliptização. Mesmo considerando os dúbios critérios da certificação florestal, tão dominada pela indústria das celuloses, que são as mesmas que presidem ao esquema FSC, como a Altri faz neste momento, esta empresa teve o seu certificado de gestão suspenso em 2011 por reiterados atropelos à boa gestão silvícola e até plantação em áreas protegidas. Os eucaliptos e as celuloses na Península Ibérica são a antecâmara da desertificação, promovendo os incêndios e impedindo a adaptação dos nossos territórios ao clima futuro.

Depois da fábrica

Mas este é apenas o problema antes de chegarmos à fábrica. A indústria das celuloses é a indústria que mais gases com efeito de estufa emite em Portugal (se bem que a The Navigator Company neste caso suplanta a Altri). De entre muitos episódios que ano após ano marcaram os rios portugueses, o complexo industrial da Altri em Vila Velha de Ródão é um exemplo histórico de destruição reiterada do rio Tejo, fruto de descargas devastadoras. A Celtejo, propriedade da Altri, descarrega regularmente efluentes perigosos no maior rio da Península Ibérica. Nos anos entre 2015 e 2018 houve forte contaminação exposta publicamente por vários cidadãos "Guardiões do Tejo", incluindo grandes mortandades de peixe, formação de espumas com mais de um metro de altura, bloom de algas e cianobactérias, entre outros. O rio, escuríssimo, tinha níveis de fibras celulósicas 5.000 vezes superiores aos normais, tendo a Agência Portuguesa do Ambiente identificado o emissário da Altri como a fonte. Na altura chegou-se mesmo a considerar a possibilidade de descargas de outros subprodutos da indústria da celulose, como as lamas secundárias ou licor negro, com enorme capacidade de fazer espuma por causa da soda cáustica e sabões de resina. O governo, que então ameaçou proibir as descargas da fábrica, acabou por mandar encerrar outras fábricas poluidoras no Tejo e deixar a Altri intocada. No meio deste processo, a Celtejo tinha processado Arlindo Marques, ambientalista que tinha registado em vídeo as descargas e a poluição, pedindo-lhe 250 mil euros. Em 2019 teve de abandonar a ação. Em 2021, a Altri livrou-se do nome Celtejo, tão associado aos escândalos da poluição, rebatizando a fábrica de Biotek.

Outra famosa fábrica da Altri, a Celbi, na Figueira da Foz, junto ao litoral, faz as descargas de celuloses através de um emissário que despeja diretamente dentro do mar, sem limites na quantidade de matéria orgânica dissolvida (CBO5/TSA, que retira oxigénio dissolvido na água, que afeta todos os seres que vivem no meio aquático). A terceira fábrica, a mais antiga, é a Caima, em Constância. Além das já habituais descargas negras no rio Tejo, que o deixam frequentemente com níveis de oxigénio dissolvido zero, a fábrica (como as outras duas) marca toda a região pelo fortíssimo e nauseabundo cheiro que permanece no ar.

Vivemos em territórios cada vez mais perigosos pela combinação entre crise climática e eucaliptização

Não podemos desejar nem aceitar que as experiências catastróficas desta indústria portuguesa vão destruir agora território galego (ou qualquer outro). A indústria suja da celulose, que desde a plantação até à saída da fábrica é um fardo tantas vezes letal para pessoas, regiões e biodiversidade, não precisa de novas fábricas. Pelo contrário, a produção e consumo de celulose e de papel tem de ser ativamente reduzida.

Sabemos bem dos argumentos esgotados destas empresas, que servem principalmente para cooptar aparelhos políticos e partidários. São argumentos que rejeitam ativamente a realidade, escondendo o seu impacto social e ambiental, pintando-se tantas vezes estas empresas de verdes ou sustentáveis, com apoio de fortes agências de comunicação. A indústria da celulose e do papel é uma mina a céu aberto, destruindo inapelavelmente comunidades e territórios.

Do lado de cá, enviamos não só avisos como solidariedade e coragem. Que o povo galego trave a Altri e nos devolva a lição para também nós por cá acabarmos com esta indústria de morte.

Comentarios